Voltar para
casa o deprimia. A expectativa de, após um dia de trabalho ouvindo os berros
animalescos de seu Djalma tratando-o como um reles vassalo; abrir a porta de
casa e topar com a megera, estendida no sofá, devorando bombons e metida em um
enorme robe cor-de-rosa era um desajuste para qualquer mortal. Fosse só isto,
ele até que poderia tolerar, mas as cobranças, humilhações e o desprezo iam
minando, dia após dia, o que ele e a esposa ainda fingiam ser um casamento.
— Bancário! – exclamava a
esposa carregando no desprezo, boca marrom de chocolate – Não passas de um
medíocre e vil bancário! E pensar que eu podia estar casada com o Deputado! Que
triste sina a minha!
No decorrer
dos anos, passou a ter nojo de
chocolate. Bastava o cheiro para nauseá-lo.
Sua angústia
diária tinha início dentro do elevador do prédio onde morava. Acompanhava o
lento passar da cabine pelo andares até chegar àquele palco seu tormento. “Lar,
doce lar”, resmungava em tom irônico.
Naquele final
de tarde tudo parecia caminhar para a mesma rotina de achincalhes promovidos
pela megera. Apertou o botão de chamada do elevador e esperou que ele chegasse
até o térreo. Quando fechou a porta ouviu uma súplica.
— Sobe?
Era uma voz
adocicada, mansa, suave, em tudo contrastante com o tom estridente e marcial de
sua esposa. Curioso e gentil, segurou a porta do elevador. Ela sorriu para ele
em sinal de agradecimento. Tratava-se não de uma mulher exuberante, mas alguém
que estava elegantemente vestida e denotava alguma sofisticação. Seus gestos
eram refinados e um leve perfume agradável exalava de sua pele. Saltou no
décimo andar, sacudindo a cabeça em sinal de boa noite.
Desde aquela
data, a curta viagem de elevador tornou-se o melhor momento do seu dia. A
presença daquela mulher e os quase monossilábicos cumprimentos pareciam
amenizar todo o peso do cotidiano desprezível de sua existência. Ansiava por
aqueles minutos, chegava a fazer uma horinha no hall social do prédio esperando
que ela chegasse, forçando a coincidência do encontro. Entristecia-se caso ela
não aparecesse e renovava a suas esperanças
para o dia seguinte.
Numa tarde, enquanto
esperava o elevador já desapontado pela ausência da sua admirada, ela surgiu no
hall social. Chorava. As lágrimas inundavam seu rosto, umedecendo os olhos
redondos. Não havia ainda prestado atenção na beleza dos seus olhos castanhos.
Na verdade, o tempo da viagem era demasiadamente curto para se prender a
detalhes.
— Posso ajudá-la, moça?
Sacudiu
negativamente a cabeça.
Ele ofereceu
um lenço, prontamente aceito. O elevador chegou.
— Sou feia?
— Não.. imagina...
— Pareço uma pessoa sem atrativos? Me visto como uma freira?
— Claro que não!
— Ele acha que sim – disse soluçando – que fazer
amor comigo é como beber água. Algo sem gosto, sem graça.
— Ele deve ter dito isto da boca pra fora – disse
ele enquanto entravam no elevador.
Assim que a
porta fechou, ela inesperadamente o agarrou, beijando-o com volúpia. Entre o
correr dos andares, amaram-se de pé, vestidos. Parcos minutos de prazer até o
elevador alcançar o décimo andar.
Os encontros
passaram a ser diários. Quando havia uma ou mais pessoas esperando o elevador,
eles aguardavam a oportunidade de subirem sozinhos. Caso um ou outro estivesse
com o seu companheiro, fingiam indiferença e desconhecimento, um tanto
desapontados pela oportunidade perdida. Amavam-se dentro da cabina, respiração
ofegante, um misto de prazer e medo de que os respectivos cônjuges pudessem
estar do outro lado da porta, no andar seguinte. Arrumavam-se rapidamente ante
a aproximação do andar onde ela morava. Era automático, sem preliminares, sem
nomes, curiosidades sobre a vida de cada um. Nada os atrapalhava naqueles
breves momentos de paixão. Somente o ato de amor os consumia.
Um dia, um
blecaute tomou conta do Rio de Janeiro. A cidade foi invadida por um breu no
começo da noite. Tudo parou, inclusive o elevador onde os amantes estavam. Os
bombeiros, ao abrirem a cabina, parada entre dois andares, os encontraram
risonhos, nus e gargalhantes, suas roupas espalhadas por todo o elevador. Ela
agora sabia que ele se chamava Mauro. Ela, Andréa. Tiveram tempo.
2 comentários:
Ah, os elevadores! Se falassem, muitos deles seriam processados por exposição violenta ao pudor! Hahahahah Adoro quando imagino a cena (os dois, esparramados...)
:) Bonito. Final quase poético.
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