Minha avó era
o que se podia chamar, em sua época, de mulher
prendada: costurava, bordava, arrumava a casa, cuidava dos filhos, e,
depois, dos netos, e... Cozinhava. E como cozinhava!...
Entretanto,
sua maior habilidade, ainda que ela não soubesse, era como contadora de
histórias. Apesar de sua pouca instrução – ela era do tempo em que as meninas
eram retiradas da escola para aprender costura –, suas atividades cotidianas
eram entremeadas por narrativas as mais diversas.
Nós passávamos
o dia com ela, enquanto meus pais estavam no trabalho, e a necessidade de tomar
conta de nós e de realizar simultaneamente as tarefas corriqueiras fazia com
que nós ficássemos ao seu lado durante boa parte do tempo.
Assim,
enquanto ela preparava o almoço, lá estava eu. Apesar de nunca ter aprendido a
cozinhar como ela – e confesso que não tenho qualquer uma de suas aptidões
domésticas, embora ela tenha, em vão, tentado me ensinar –, retive cada uma de
suas histórias na caixa de guardados da memória.
Enquanto ela
refogava o arroz e aquele aroma delicioso invadia a cozinha da minha infância,
eu era brindada com alguma história. Não uma narrativa lúdica, daquelas de
entreter netinhos, mas um causo,
geralmente motivado pela atividade que estivesse sendo realizada naquele
momento. Dessa forma, ouvi histórias sobre a menina que não queria comer e que em
pouco tempo não conseguia ingerir mais nada, tendo sido milagrosamente salva
pela aguinha do arroz, ou a da sopa de pedra, recurso utilizado pelo
homem faminto, que punha pedras em uma panela com água fervente, e pedia, a
cada passante, um legume para colocar na sopa, pois o gosto de pedra era muito
ruim, conseguindo, assim, contribuições suficientes para um cozido completo.
A hora de
lavar roupa já suscitava outra história, como a da criança extremamente pobre,
mas tão asseada que, apesar de só possuir uma única roupa, punha-se a lavá-la à
noite, para poder utilizá-la novamente no dia seguinte. Recatada, dormia
enrolada em um lençol, mas não se furtava a andar sempre limpa.
Caso faltasse
luz, já havia uma rodada de narrativas que enveredavam pelo sobrenatural.
Arrepiantes para uma criança, sem dúvida, mas de longe as nossas favoritas.
Hoje percebo
que suas histórias eram quase fábulas, e que a menina que as protagonizava
representava um modelo – de higiene, de conduta, de obediência – que eu deveria
admirar e, consequentemente, reproduzir. Mas isso era transmitido de modo
intuitivo, fazendo com que a curiosidade nos fizesse implorar, desejosos, pela
continuação.
Minha avó era
uma espécie de Sherazade, com uma diferença: ela não dependia das histórias
para sobreviver, mas via nelas algo fundamental à nossa sobrevivência. Ela me nutria o corpo com seus doces e
quitutes, enquanto minha alma era alimentada com as fábulas, criadas ou não por
ela.
Falando em
fábulas, com A Raposa e as Uvas,
aprendi a reconhecer o desdém característico daqueles que desejam algo que não
podem ter; com A Lebre e a Tartaruga,
aprendi, desde pequena, a trilhar meu caminho passo a passo, sem cantar vitória
antes do tempo, e sem ser, jamais, tomada pela arrogância. Fazer as coisas
respeitando o próprio ritmo e sem soberba, lições que carrego até hoje.
Hoje, quando
me delicio com algo apetitoso, essa degustação vem acompanhada de nostalgia.
Constato, então, que minhas guloseimas de outrora eram tão mais saborosas
porque continham o tempero inconfundível daquela contadora de histórias.
1 comentários:
Memória muito terna, agradável de ler, reconhecendo a grande sabedoria das avós em mistura subtil com a proverbial ternura.
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