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sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Amadurecer é passar de Álvaro campos a Ricardo Reis?

Tem muita coisa que eu pensava que sabia e que entendia quando cursava Letras na faculdade. Talvez algumas eu até soubesse, mas o tempo passa e hoje algumas de uma maneira diferente. Por exemplo, sempre pensei que os heterônimos de Fernando Pessoa eram uma maneira puramente estética que o poeta havia encontrado para expressar mais claramente uma modernidade que surgia com múltiplas perspectivas; expressa algo que a sociedade em seu modelo estrutural, binário e de herança positivista ainda não estava preparada, ou simplesmente, não conseguia entender. Hoje quando um amiga perguntou me: ‘Será que amadurecer é passar Álvaro de Campos a Ricardo Reis?’ tive uma epifania, percebi que algo tinha mudado.

Passado os anos, depois que deixei os livros de crítica literária nas estantes e ter andado de bar em bar, em busca de vida, em busca de algo em mim, penso que a vida trouxe-me uma nova leitura para os heterônimos de Pessoa. Em sentido estético, penso que eles tenham uma função mais universal do que apenas aquele pensamento que apresentei anteriormente. Acredito que o conjunto dos heterônimos,  ou pelo menos, os principais sejam mais para representar o homem, o “Eu em diferentes fases da vida, em diferentes contextos. O “eu” sem valor é os “eus”.

Talvez venha daí, desses “eus”, a minha insistência em ver Pessoa nos romances de Clarice. Depois de ler o poeta, passei a ler Clarice sempre como se ela estivesse completando-o ou continuando sua obra. Nunca entendi direito essa relação que eu estabelecia, mas o momento agora também não é para refletir sobre ela, mas sim sobre os “eus” do Fernando (perdoem-me a intimidade).

Entendo, esses heterônimos de Pessoa como uma tentativa incansável de gritar para o mundo as aflições humanas, entre elas a de que “eu existo”. E, como Benveniste já disse, o ‘eu’ só exerce valor no ato da enunciação, que o sujeito só existe a partir do momento que ele se enuncia na linguagem, a partir do momento em que o sujeito diz ‘eu’.  Então como ser alguém definido e estabelecido, se esse ‘eu’ é inconstante e mutável? Daí que vem os heterônimos para conseguir dar vazão a tantos papéis em nossa vida.

Álvares de Campos, neste aspecto, pode ser visto como um ‘eu’ que esta preso ao sentido estético da linguagem e grita ao mundo sua rebeldia. Em uma complexidade de momentos e estilos que vai mudando ao longo das fases de sua poesia. Mas talvez esconda do mundo seus verdadeiros desejos;. Sua obra pede ao mundo que entenda seu trabalho, que lhe deem atenção. Busca mudanças nos estilo porque carece de atenção; sua raiva nada mais é que o adolescente gritando e pedindo, do seu jeito, amor e atenção.

Não vejo Ricardo Reis tão diferente disso, mas penso que há nele uma consciência mais presente do fim da vida. Há nele o início da aceitação. Mas há, de certa maneira, o mesmo homem ou jovem Álvares, mas com uma linguagem mais rebuscada, mais formal, mas ainda assim vejo nele, uma preocupação em ser aceito por uma sociedade, por um tempo, por alguém. Uma busca por aceitação que vejo em um outro heterônimo: o mestre.

Há quem diga que quando envelhecemos voltamos a ser criança novamente, talvez exista alguma verdade nesse pensamento popular. Talvez, seja essa a razão que leva nos a considerar os idosos como mestres. Devido à essa relação de voltar a ser criança, mas ser velho. Não entendo ao certo se é essa relação que faz dos velhos alguém mais ingênuo ou se é graças a essa ingenuidade que eles se tornam mais sábios.

No caso da poesia de Caeiro, vejo algo que outros heterônimos almejam: liberdade de ser. Caeiro aceita quem ele é, aceita o mundo, aceita as coisas em sua complexidade e simplicidade; ele não se preocupa em ser um “eu”, algo fixo e imutável; ele aceita ser ateu e dizer que deus existe, ser velho e brincar como criança, ser alegre e ser triste. Aceita suas dúvidas, suas arrogantes verdades, o que ele não aceita é não ser. Aceita a contradição de ser.

Há Álvares, Ricardos, Pessoas, Pedros, Marias em todos nós; velhos, jovens, crianças, só precisamos abrir os olhos para que possamos vê-los. Vejo hoje que os heterônimos não são de Fernando Pessoa, mas fazem parte dele. Caeiro, de uma certa maneira, tenta ensinar isso aos outros. É mais ou menos como Clarice escreveu “Não se preocupe em entender. Viver ultrapassa todo o entendimento”.


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