Joaquim Bispo
A
primeira refeição do dia é a mais importante.
(Dos
sites nutricionistas)
Acabei de chegar de umas férias em Budapeste. Cidade bonita – belos
panoramas, excelentes museus –, mas do que não me esqueço é dos pequenos-almoços.
Só de antever a primeira refeição do dia passava a noite em sonhos salivados.
No hotel onde estive, serviam fiambres, presuntos, chouriços, queijos variados,
tudo em cascatas de fatias finíssimas. E doces, frutas, bacon, ovos mexidos,
pratos quentes.
Acho que havia hóspedes que só tinham ido a Budapeste pelos
pequenos-almoços. Enchiam a chávena de café com leite, e o prato com queijo e
carnes frias, iam para a mesa esvaziá-los, voltavam a recarregá-los, uma e
outra vez. Abarrotavam tigelas com flocos de milho, de amêndoa, com fibras, com
mel, chocolate e fruta. Juntavam leite, iogurte, café, sumos de frutas.
Equilibravam pirâmides de fatias de Emmental, chaminés de Chèvre, com a ajuda
de morros de Roquefort, acompanhados por arquipélagos de ovos quentes,
salsichas fritas e barris de sumo de laranja para empurrar.
Filas de empregados afadigavam-se a repor as provisões nas mesas do bufete.
Dezenas de pares de olhos espiavam a sua chegada à porta da copa. Hordas de
pretensos esfomeados armados de pratos vazios, como se fossem escudos,
preparavam-lhes emboscadas no primeiro ângulo de mesa. Homens da Michelin em
banha lançavam-se sobre os acepipes, como gaivotas sobre sobras de peixe,
engolindo fatias de salmão fumado enquanto bicavam os adversários mais próximos.
Por vezes disputavam a mesma tira de “bacon” frito ou, em gesto rápido,
surripiavam a tosta mista que o vizinho se atrasara a retirar da bateria de
tosteiras. Rebatiam com saladas de tomate, de couve roxa, de beterraba. Ou com
travessas de ananás, pêssego, melão e maçã.
Ai do que não fosse ligeiro e audaz. Quando chegasse à mesa das carnes
frias, já só encontrava um ou outro grão de pimenta; quando chegasse à mesa dos
queijos já só sentia o cheiro. O seu empenho incidia então no desenvolvimento de
táticas mais eficazes de captura de víveres no fornecimento seguinte.
Por fim, mitigavam a fraqueza com uns doces: potes de compotas, salvas de
bolo-mármore, taças de tiramisu, tigelas de musse de chocolate, travessas de
leite-creme.
Quando pareciam saciados, começava a fase de aprovisionamento, porque o dia
de visitas turísticas na capital e arredores se adivinhava longo e desgastante.
Fileiras de sanduíches recheadas de salpicão, queijo flamengo, pasta de atum,
ovo mexido e picles – para desenjoar – alinhavam-se obedientes em camadas
sobrepostas no fundo das malas de mão e das mochilas. Alguns convivas
preparavam tantas que se esperava encontrá-los a vendê-las nos pontos
turísticos mais frequentados, para pagar a viagem. As que sobrassem ainda
deviam dar para acabar com a fome em algum país de África.
Budapeste é bonita, mas o melhor são os pequenos-almoços. Inolvidáveis. Ainda esta noite revivi, em sonhos, a manhã em que me alambazei com
almôndegas à húngara que apanhava às mancheias. Acordei num grito, quando os três
garfos me atingiram as costas da mão.
4 comentários:
Você e os lugares dos quais fala e que eu nunca sei se você esteve realmente lá ou se é apenas essa imaginação poderosa. Mas as garfadas na mão, frtuto do sonho com as almôndegas, foram impagáveis!
e tinha que te ler logo hoje que vomitei o jantar e era uma simples canja que eu já tinha andado desde ontem com diarreia
que mau gosto este de descrever tudo com tanta arte que eu quase senti o meu pobre estomago a dizer-me: anda, anda, que se metes mais merda nesse prato, eu vomito-me mesmo sobre os guardanapos
prosa boa de comer.
Obrigado. Realmente, os pequenos-almoços num hotel de Budapeste onde estive há uns anos eram bem generosos.
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