Em virtude dos acontecimentos recentes, decidi postar o lado mais sombrio da minha escrita, aquele do qual eventualmente me envergonho.
Concerto para Fezes
e Vermes em Três Movimentos.
Abertura
Chegou à casa
cabisbaixo pela notícia.
—
Vou ter que fazer exame de fezes. Ordens da empresa.
—
Mas por quê? – perguntou a mulher.
—
Disseram que a partir de agora é assim. Exames
periódicos para todo mundo – sarcasmo na voz – estão zelando pela saúde dos
funcionários.
E sacou de
dentro da pasta um frasco descartável para o exame. A esposa acariciou-lhe a
face esquerda demonstrando apoio.
—
Ligue não, querido, amanhã você tira de letra.
Mal o
dia clareou, o homem sentiu o alerta dos
intestinos e cambaleante foi ao
banheiro, mas esqueceu-se que deveria coletar uma amostra de suas fezes. Já ia
acionar a descarga pondo tudo a perder quando lembrou-se a tempo e, vendo sua
merda boiando dentro do vaso sanitário, achou conveniente aproveitá-la para o
exame. Munido de um garfo que fora procurar na cozinha, pescou o seu cocô de
dentro da privada, depositando-o carinhosamente no jornal de véspera que ficara
largado no banheiro e o inspirara na defecação matinal. A imagem do cilindro de
excremento misturando-se as manchetes onde se dizia que o País estava indo para
frente e retrato do Presidente que ele ainda confiava borrado por sua bosta
causaram-lhe incomensurável náusea e ele acabou por vomitar em cima do jornal.
Merda, vômito e seu amado Chefe de Estado mesclaram-se diante de seus olhos
provocando-lhe enorme mal-estar.
A
mulher, ao deparar com a escatologia ensaiada em seu banheiro, deu um grito de
horror. Assustado, o homem deixou a mistura cair no chão, causando um fétido
acidente doméstico. Expressão de desespero moldou seu olhar. Refeita, a mulher
aproximou-se, acariciou-lhe a face direita
procurando tranquilizá-lo.
—
Calma meu amor, para tudo há uma solução. Vamos limpar
esta bagunça e depois eu coleto uma amostra das minhas fezes para você levar
como se fosse a sua e tudo se resolve.
Lágrimas
brotaram-lhe dos olhos ao perceber a grande companheira que possuía.
Adágio
No
interior do vagão do metrô a atmosfera era respirável, a despeito do ambiente
recluso a alguns metros sob a terra. Nada se comparava a sala fechada do
laboratório de análises clínicas onde o homem trabalhava. Oito horas por dia em
contato com merda desconhecida, analisando, analisando... O cheiro era
insuportável, nem mesmo a máscara continha o fétido exalar daquela merda
acumulada. De segunda a sexta, merda, merda e mais merda. Naquele dia
inclusive, diagnosticara algo em uma amostra, a de número 57981-8, que lhe
embrulhara de vez o estômago. Tinha que largar aquele emprego. Ia falar com um
amigo para lhe arranjar uma vaga no IML, ao menos lá, os defuntos cheiravam ao
formol.
Estava
de pé dentro de um vagão lotado. Hora do Rush. Alguém peidou. Narinas apuradas,
o técnico em análises identificou a origem: um velhinho, sentado à sua frente,
rosto duende, ares amigáveis. “Puta que Pariu”, pensou o homem. Um segundo
peido. Na certa o velhinho sofria de
flatulência. Aquilo foi irritando o homem. “Se ao menos ele se prendesse”,
resmungava intimamente. “O dia inteiro respirando bosta e dou de cara com um
peidão”. Uma terceira bufa, esta acompanhada por trilha sonora. Algumas pessoas
riram, ainda que timidamente. Só o homem não tinha motivos para achar graça. Só
ele ali naquele vagão mexia com merda cinco dias por semana, quatro semanas por
mês, 52 semanas por ano, férias excluídas. Se aquele velho peidasse mais uma
vez, ele seria capaz de cometer um desatino.
Andante
Chegou à casa
cabisbaixo pela notícia. Em mãos, um envelope aberto com o número do exame.
57981-8.
—
Querido! Graças a Deus você chegou. Eu vi na televisão.
Aonde vamos parar?
—
Eu estava no vagão...
—
Meu Deus!
—
O velho nem teve como reagir. O louco o espancou até a
morte, só porque ele peidava.
—
È a barbárie...
—
Mas tem algo pior...
—
O que pode ser pior que um idoso espancado até a morte
querido?
—
O seu exame. Ou melhor, o meu, feito na sua amostra de
fezes. Como estava em meu nome, tomei a liberdade de abrir. Leia você mesma.
— Teníase?
—
Hum... Hum... Também conhecida como Solitária. Você é a
hospedeira de um verme que pode atingir até dez metros de comprimento.
—
Meu Deus!
—
Deixe Deus fora disso. Já marquei consulta com uma
médica, Doutora Livingstone, eu presumo. Ela tem um método pouco ortodoxo,
porém eficiente para expelir esta bicha. Iremos lá amanhã...
—
Meu Deus!
—
Meu amor...
—
O que foi?
—
Desculpe a franqueza, mas estou sentindo um tremendo
nojo de você.
1 comentários:
Muito bom seu texto achei bem criativa a forma de dividi-lo como movimentos de uma sinfonia. Parabéns!
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