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sexta-feira, 21 de junho de 2013

Concerto Para Fezes e Vermes em três Movimentos

Em virtude dos acontecimentos recentes, decidi postar o lado mais sombrio da minha escrita, aquele do qual eventualmente me envergonho.



Concerto para Fezes e Vermes  em Três Movimentos.

Abertura

Chegou à casa cabisbaixo pela notícia.
    Vou ter que fazer exame de fezes. Ordens da empresa.
    Mas por quê? – perguntou a mulher.
    Disseram que a partir de agora é assim. Exames periódicos para todo mundo – sarcasmo na voz – estão zelando pela saúde dos funcionários.
E sacou de dentro da pasta um frasco descartável para o exame. A esposa acariciou-lhe a face esquerda demonstrando apoio.
    Ligue não, querido, amanhã você tira de letra.
Mal o dia clareou, o homem sentiu o alerta  dos intestinos e  cambaleante foi ao banheiro, mas esqueceu-se que deveria coletar uma amostra de suas fezes. Já ia acionar a descarga pondo tudo a perder quando lembrou-se a tempo e, vendo sua merda boiando dentro do vaso sanitário, achou conveniente aproveitá-la para o exame. Munido de um garfo que fora procurar na cozinha, pescou o seu cocô de dentro da privada, depositando-o carinhosamente no jornal de véspera que ficara largado no banheiro e o inspirara na defecação matinal. A imagem do cilindro de excremento misturando-se as manchetes onde se dizia que o País estava indo para frente e retrato do Presidente que ele ainda confiava borrado por sua bosta causaram-lhe incomensurável náusea e ele acabou por vomitar em cima do jornal. Merda, vômito e seu amado Chefe de Estado mesclaram-se diante de seus olhos provocando-lhe enorme mal-estar.
A mulher, ao deparar com a escatologia ensaiada em seu banheiro, deu um grito de horror. Assustado, o homem deixou a mistura cair no chão, causando um fétido acidente doméstico. Expressão de desespero moldou seu olhar. Refeita, a mulher aproximou-se, acariciou-lhe a face direita  procurando tranquilizá-lo.
    Calma meu amor, para tudo há uma solução. Vamos limpar esta bagunça e depois eu coleto uma amostra das minhas fezes para você levar como se fosse a sua e tudo se resolve.
Lágrimas brotaram-lhe dos olhos ao perceber a grande companheira que possuía.

Adágio

No interior do vagão do metrô a atmosfera era respirável, a despeito do ambiente recluso a alguns metros sob a terra. Nada se comparava a sala fechada do laboratório de análises clínicas onde o homem trabalhava. Oito horas por dia em contato com merda desconhecida, analisando, analisando... O cheiro era insuportável, nem mesmo a máscara continha o fétido exalar daquela merda acumulada. De segunda a sexta, merda, merda e mais merda. Naquele dia inclusive, diagnosticara algo em uma amostra, a de número 57981-8, que lhe embrulhara de vez o estômago. Tinha que largar aquele emprego. Ia falar com um amigo para lhe arranjar uma vaga no IML, ao menos lá, os defuntos cheiravam ao formol.
Estava de pé dentro de um vagão lotado. Hora do Rush. Alguém peidou. Narinas apuradas, o técnico em análises identificou a origem: um velhinho, sentado à sua frente, rosto duende, ares amigáveis. “Puta que Pariu”, pensou o homem. Um segundo peido. Na certa  o velhinho sofria de flatulência. Aquilo foi irritando o homem. “Se ao menos ele se prendesse”, resmungava intimamente. “O dia inteiro respirando bosta e dou de cara com um peidão”. Uma terceira bufa, esta acompanhada por trilha sonora. Algumas pessoas riram, ainda que timidamente. Só o homem não tinha motivos para achar graça. Só ele ali naquele vagão mexia com merda cinco dias por semana, quatro semanas por mês, 52 semanas por ano, férias excluídas. Se aquele velho peidasse mais uma vez, ele seria capaz de cometer um desatino.

Andante

Chegou à casa cabisbaixo pela notícia. Em mãos, um envelope aberto com o número do exame. 57981-8.
    Querido! Graças a Deus você chegou. Eu vi na televisão. Aonde vamos parar?
    Eu estava no vagão...
    Meu Deus!
    O velho nem teve como reagir. O louco o espancou até a morte, só porque ele peidava.
    È a barbárie...
    Mas tem algo pior...
    O que pode ser pior que um idoso espancado até a morte querido?
    O seu exame. Ou melhor, o meu, feito na sua amostra de fezes. Como estava em meu nome, tomei a liberdade de abrir. Leia você mesma.
    Teníase?
    Hum... Hum... Também conhecida como Solitária. Você é a hospedeira de um verme que pode atingir até dez metros de comprimento.
    Meu Deus!
    Deixe Deus fora disso. Já marquei consulta com uma médica, Doutora Livingstone, eu presumo. Ela tem um método pouco ortodoxo, porém eficiente para expelir esta bicha. Iremos lá amanhã...
    Meu Deus!
    Meu amor...
    O que foi?
    Desculpe a franqueza, mas estou sentindo um tremendo nojo de você.


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Zulmar Lopes
Carioca, jornalista, contista e aspirante a romancista, Zulmar Lopes tem um punhado de prêmios literários, a maioria de nenhuma importância. Membro correspondente da Academia Cachoeirense de Letras (ACL). Roteirista do curta de animação “Chapeuzinho Adolescente”. Em 2011 lançou o livro de contos “O Cheiro da Carne Queimada”. Finalmente concluiu o maldito romance cujo pano de fundo é o carnaval carioca e está na expectativa de que alguma editora incauta se atreva a publicá-lo.
todo dia 21


1 comentários:

Muito bom seu texto achei bem criativa a forma de dividi-lo como movimentos de uma sinfonia. Parabéns!

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