Engatei a quarta marcha
num free lance. É, um lance
livre. Até que ele era divertido. Me comia sete vezes por semana e no fim de
semana minha semana sequer tinha mais fim. Era uma sucessão de recomeços
intensos e destrutivos. Um produto de validade vencida que consumia a validade
de sua requerente vencida. Ai, minha validade, já não consigo enxergá-la neste
pacote tão desgastado. Justo eu, fabricada com tanto amor e carinho, e que na
tenra idade desenvolveu a síndrome do intercurso monogâmico e da maternidade.
Pisei no freio, estacionei – mal, pra variar. Vaga dos deficientes. Lá veio um
sujeito de sorriso mórbido que me convenceu para um café. Esse filho de uma mãe
doutorada leu a página de Economia na minha frente e ainda teve a coragem de
comentar que as bolsas de Nova York subiram. Manobra, à direita. Meu cartão de
crédito navalhou todas as bolsas que eu de fato conhecia, meu bem. O espírito
hedonista encarna em meu ser quando piso num Shopping Center. Desilusões
amorosas quem são vocês?
Esquerda, volver.
Atropelei um anjo. Não, era um vendedor de galinhas brancas. A galinha depenada
agonizava, como isso aconteceu? O vendedor enchia os meus ouvidos de bra, bra,
bras, uma gramática completamente inadequada para a ocasião. Mas havia algo nos
olhos dele. Algo de encantador. Paguei a galinha de penas angelicais com uma
trepada vespertina. O meu congelador lotado de nuggets me causou repulsa na hora do jantar. Eu não
comeria nada que fosse derivado do animal que eu assassinei e que teve sua alma
“depenada” encarnada em mim. Seria como devorar a própria espécie. Engatei a
primeira marcha. Ladeira íngreme. Exaustão, preguiça, tédio. Provas para
corrigir, vida para corrigir. E uma pizza para matar a fome. E um entregador de
pizza para chamar de “homem da minha vida”. Conversas pelo telefone, e a
segunda marcha engatada. Balada sábado à noite, terceira marcha. Minha cama,
quarta marcha... O carro morreu. A brochada foi imperdoável. Seis meses sem
ingerir pizza. Passei a freqüentar o yoga, como sugestão de uma amiga nipônica.
O professor era interessante demais para eu conseguir alcançar o meu nirvana.
Cara de japonês, jeito de brasileiro e pinto de americano. Tive múltiplos
nirvanas durante as duas ou três primeiras semanas. Até que a sentada em lótus
era excitante. Abandonei os Yogas Sutras de repente, assistindo a um comercial
da Johnson & Johnson com
mais bebês do que num orfanato. Quis ser mãe, estava decidido. Dei uma marcha
ré e retomei aquele desejo juvenil inveterado. Não queria meu filho de olho
puxado. Queria uma menina, doce e obediente. Sempre desejamos para os nossos
filhos o que não fomos. Uma bailarina! Passei dias pesquisando nomes de bebês
e, claro, perfis de homens em sites como Helloamore. Homem truculento nem pensar. Na bengala, me conduzi até
um bailarino que aspirava um papel no Quebra Nozes. Não, ele não era gay. Mas
era infértil. Aquela maldita calça apertada sufocou todos os seus
espermatozóides. Cansei da procura, o combustível estava pelas pontas.
Estacionei-me na garagem da minha casa e me senti a personificação da solidão.
Antes fosse uma jovem guitarrista ensaiando com sua banda rocks em sua garagem.
Percorrer tanta estrada, parar em tanta blitz, ser multada trocentas vezes por
excesso de uso do próprio corpo. Havia em mim arranhões. Esse motor de muitos
homens rodados precisava de um mecânico... Claro, como não pensei nisso antes?
Nada que um bom mecânico não possa dar solução. Eles têm as ferramentas certas
para o meu conserto. Enchi o tanque, engatei a quinta marcha e lá vou eu, sem
vergonha, nesta lataria de faróis incandescentes.
1 comentários:
maravilha de texto: leve e bem-humorado. Para comecar bem o domingo. Parabens, Lohan. :)
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