(Maristela Scheuer Deves)
Ela se arrependeu no momento em que colocou os pés na sala de cinema. De onde tirara aquela ideia maluca de ir ver um filme naquele horário e, ainda por cima, sozinha? Mas era a última sessão, amanhã ele sairia de cartaz, e, afinal, já estava mesmo no shopping, justificou-se para si mesma. Saíra do trabalho tarde, eram quase dez horas da noite, e passara ali para comer alguma coisa. Até que terminara de jantar, já passava das onze, e avistara o cartaz do longa que queria tanto ver e ficara adiando... Num impulso, comprara o ingresso, e agora, faltando dez minutos para a meia-noite, ali estava, procurando sua poltrona na sala vazia.
Vazia mesmo, não era força de expressão. Quando comprara o bilhete, vira que apenas dois outros lugares estava vendidos, e ainda pensara se a sessão ocorreria com tão poucos espectadores. Agora, entretanto, nem esses dois outros cinéfilos noturnos haviam aparecido. Mas ainda tem um tempinho, pensou, enquanto localizava a poltrona escolhida. G6, ali estava. Sorriu consigo ao sentar: se não tinha ninguém mais ali, que diferença fazia onde ela se sentava?
Enquanto esperava, olhou para a tela ainda às escuras, para a saída de emergência, para as fileiras e mais fileiras de poltronas da sala que, sem sua lotação habitual das tardes domingueiras, parecia imensa. Lá no fundo, uma espécie de janela dava para a sala de projeção. Não conseguia enxergar direito lá dentro, mas parecia ter alguém ali. Claro que tinha, disse a si mesma: afinal, alguém precisava passar o filme.
Finalmente, chegou a meia-noite, sem que os outros dois que haviam comprado ingressos dessem as caras. Ainda pensava se a sessão ocorreria quando a tela se iluminou e começaram os trailers. Checou na bolsa se o celular estava desligado. Tudo certo. Ajeitou os óculos 3D sobre os óculos de grau e recostou-se na poltrona, pronta para aproveitar ao máximo aquele luxo: uma sessão de cinema só para ela...
Foi lá pelo meio do filme que ela pensou ter ouvido um barulho algumas fileiras atrás da sua. Gente mal educada, não sabe se comportar no cinema, pensou, e só então lembrou-se que não havia mais ninguém ali. É o som do filme, racionalizou, e voltou sua atenção para a história. Logo depois, o barulho se repetiu, e dessa vez ela teve certeza de que não vinha das caixas de som.
Sentiu um arrepio, e olhou para trás assustada. Não havia nada ali, claro, e sentiu-se grata por não estar acompanhada - assim, ninguém saberia desse momento de fraqueza. Voltou o olhar para a tela e soltou um grito: bem naquele momento, o protanista arremessara uma flecha, que com os óculos 3D parecia voar bem na sua direção. Mico número dois, murmurou, com um riso amarelo e o coração ainda acelerado.
Mais meia hora de filme e, de repente, a tela ficou branca, depois escureceu. Sentada na poltrona G6, pernas erguidas sobre a poltrona em frente, ela não teve sequer tempo de pensar se aquilo era uma falha técnica quando as luzes de emergência também se apagaram. Do fundo da sala - bem para trás, mas com certeza dentro da sala -, veio um novo barulho. Agora, o som era de passos. E eles se aproximavam...
(continua no dia 19 de março)
3 comentários:
Ótimo "suspense". Até agora.
Isto se parece com a última vez que eu e minha esposa fomos a um cinema meio decadente em Curitiba para assistirmos "Bob Esponja". Ela estava morrendo de medo de um cara estranho no fundo da plateia vazia...
Eu sou ansiosa... Quero logo o 19 de março! Muito bom!
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