Uma aragem fria varre as ruas desertas.
As folhas secas dançam a dança louca dos objectos
inanimados e os animais livres encolhem-se de medo e frio.
A figura negra avança devagar e traz com ela um
presságio agourento, abafado, uma tragédia à beira de acontecer. Os animais
encolhem-se mais, reduzindo ao máximo a sua presença – se pudessem,
desapareceriam por algum tempo.
Há luz mas não se vê o sol, aprisionado nas grandes
nuvens pesadas, cinzentas e tristes. Não chove e a promessa de vida que
qualquer água contém não alivia o prenúncio de desgraça.
Ao longo da rua as árvores erguem ao céu os esguios
braços nus, quais figuras pedindo compaixão a um qualquer deus maldoso. Longas
filas de silenciosas suplicantes, tristes e sem esperança, tornam a rua por onde
avança a figura um caminho de desolação.
Os pássaros desapareceram. Não há um par de asas no
ar e nem um pipilar tímido distrai a atmosfera pesada.
A figura pára. Será que sente, ela própria, a
angústia que o seu movimento lento e inevitável espalha? Terá estremecido? Será
de frio, será de medo, o seu estremecer?
A silhueta dobra-se um pouco, sobre o malmequer
selvagem que, teimoso como só um selvagem pode ser, medrou entre as pedras do
passeio. Um pequeno malmequer amarelo que floresceu contra tudo e contra todos,
arrancado agora com um gesto seco.
A figura abre o capote que a cobre, uma peça
estranha, escura e pesada. Abre pouco, apenas o suficiente para meter a mão com
o malmequer. Lá dentro, a criança suspensa sorri e estende a mão, pegando no pé
da flor com um cuidado anormal para a tenra idade. A figura fecha novamente o
capote impedindo o frio de entrar.
No céu esvoaça agora uma andorinha, sabe-se lá vinda de onde.
2 comentários:
Um final bonito e feliz numa narrativa que augurava desgraças. Muito bom Português, aos meus ouvidos. Ora bem!
Um texto poético com um final surpreendente e interessante. Excelente!
Postar um comentário