Dizem que antologias são excelentes presentes de aniversário ou de Natal, mas não livros para serem lidos. Nunca concordei com isso, e devo a algumas delas a descoberta de autores de tempos, terras e idiomas inimagináveis. Lembro-me da primeira que li, aos dezesseis anos: o nono volume do mitológico e indispensável Mar de Histórias, organizada por Paulo Rónai e pelo Aurélio Buarque de Holanda e editada pela Nova Fronteira. Devo a eles, entre outras descobertas, meu primeiro contato com Saki – o segundo veio logo depois, com um curta estrelado pelo José Wilker e Marieta Severo – A Janela Aberta (alguma coisa boa tinha que sair da lei do Sarney que nos impingia curtas nacionais a cada sessão de cinema, alguém se lembra?).
Logo me apropriei do quinto volume, que meu pai já tinha, e daí consegui completar a coleção (dez volumes) em mais dois ou três anos. As primeiras edições saíram nos anos 50. Até onde eu sei, estão fora de catálogo há mais de dez anos.
Em outra iniciativa, Flávio Moreira da Costa vem mantendo esta tradição e editando diversos volumes, por diversas editoras. E, no final de 2011, a editora 34, que há anos organiza a coleção Leste, reuniu uma grande equipe de tradutores e nos permitiu o acesso, pela primeira vez, a uma miríade de autores absolutamente desconhecidos do público - e, acredito, não só do público brasileiro.
Em outra iniciativa, Flávio Moreira da Costa vem mantendo esta tradição e editando diversos volumes, por diversas editoras. E, no final de 2011, a editora 34, que há anos organiza a coleção Leste, reuniu uma grande equipe de tradutores e nos permitiu o acesso, pela primeira vez, a uma miríade de autores absolutamente desconhecidos do público - e, acredito, não só do público brasileiro.
Mais complicado e arriscado ainda é organizar antologias de autores contemporâneos, pois não se pode contar com o tempo a favor. Recentemente, comecei a ler outra coleção, agora pelo Kindle. O escritor bósnio-americano Aleksandar Hemon, autor do excelente romance Projeto Lázaro, organiza anualmente, desde 2010, a Best European Fiction, publicada pela Dalkey Archive Press. Na primeira edição, reconhecia que os americanos lêem cada vez menos traduções, e que estava à procura do novo Thomas Mann, do novo Kafka, do novo Joyce.
Não sei se chegaremos a tanto. De qualquer forma, essa coleção vem apresentando ao mundo (anglófono e simpatizantes) novos autores como David Dephy, da Geórgia, que nos mostra os últimos segundos de vida de um condenado a fuzilamento, ou Iulian Ciocan, da Moldávia (que nos apresenta uma distinta senhora que somente suporta seu país cinza assistindo à novela Escrava Isaura, na Chisinau de 1988). Ou quem sabe Maritta Lintunen, da Finlândia, que consegue fazer de um incidente doméstico durante o feriado da Semana Santa um belo conto. E aguardei ansiosamente pela aparição, há poucas semanas, da edição de 2013, que já comecei a ler.
É certo que Serena Frome, no belo romance de Ian McEwan, diz que editores detestam livros de contos; que somente abrem a guarda para seus autores prediletos (que são, em geral, os que mais vendem). Mas então temos que nos render às editoras que invertem essa lógica. No Brasil mesmo, há pelo menos mais duas antologias que merecem destaque – uma, dedicada à literatura argentina contemporânea (que nós insistimos em ignorar) e editada pela Iluminuras; outra, organizada por Stéphane Chao, à literatura pan-americana (o que talvez mais se aproxime do projeto de Hemon). Sim, há contos de autores do Equador e de Porto Rico que merecem atenção, além dos autores brasileiros presentes. E, para terminar, uma só de brasileiros, organizada por Henrique Rodrigues, O Livro Branco, e que reúne textos de Carola Saavedra, Marcelino Freire e André de Leone, entre outros, sempre a partir dos Beatles.
Antologias são, por definição, irregulares. Para cada conto inesquecível, há pelo menos mais um descartável e uma ausência com a qual não nos conformamos; não se pode esperar que um volume com 500 páginas e mais de trinta autores seja homogêneo em termos de qualidade. Mas o saldo é, em geral, altamente positivo; são novas companhias que surgem, novos nomes e prosas, e mesmo que você não seja um leitor incondicional de contos, certamente irá chegar aos romances de muitos deles.
5 comentários:
La pelos anos 40 o curriculo de portugues no secundario obrigava os alunos a lerem antologiss. A antologia nacional de Carlos de Lart era das mais habituais, editada pela Briguet (de Portugal, aquela da mosca , se nao me engano.) e so com trechos de romances brasileiros e portugueses. R
Ótimo texto, Fabio!
Eu, ultimamente, tenho lido muitas antologias - todas brasileiras. A maioria delas, de participantes de concursos que premiam, justamente, com uma publicação em antologia. Eu mesmo já organizei uma antologia, o ''Poesia.com'' (à venda na Livraria Cultura) e estou a organizar o segundo volume desta.
Quando menor, lia muito aqueles livros intitulados "Para gostar de ler''. Adorava o de crônicas, que reunia Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, Fernando Sabino, entre outros feras. Foi ali que conheci muitos deles.
Antologias são, em suma, muito importantes como referências.
Abraços!
Lohan.
Obrigado, Lohan! É verdade, lembro-me da série "Para gostar de ler". Os textos e os autores eram escolhidos a dedo para que o jovem leitor realmente se apaixonasse pela leitura. Pena que, até onde sei, hoje as escolas querem que um garoto de treze ou quatorze anos leia José de Alencar...
Abraço,
Fabio
Só acho que a antologia, pela irregularidade de estilos (não de gêneros) pode ou não atrair o leitor. E se der azar de esse leitor finalizar os quatro primeiros e só gostar de um, dificlmente irá até o fim do livro. ou então só vai ler um aqui, outro ali. Nesse sentido, a obra individual ainda me atrai mais. Só uma ressalva em relação ao seu comentário: "hoje as escolas querem que um garoto de treze ou quatorze anos leia José de Alencar... ". Puxa! José de Alencar é ruim e chato em qualquer época! E olha que tenho 55! Já Machado é bom em qualquer época, depende de como seja contado, descrito. O filho de uma amiga de 15 anos me disse que detestava os livros escolhidos pela rede oficial de ensino. Um dia, sentamos, e eu comecei a contar a ele a história de O Alienista, em seguida puxei para Dom Casmurro, e finalizamos com a mão e a luva. Só que adaptei para personagens atuais. Ele adorou. Acho que não existe história ruim; existe quem não saiba contar (e, aqui, não me refiro à minha performance, facilitada pelo fato de que era um rapazinho meu amigo). Oralmente ou por escrito, o "como narro" é mais forte do que "o que narro". AS antologias — cujo valor é garantido —, sob um certo aspecto, também servem para esconder o joio no meio do trigo. Difícil, mutito difícil ler uma da qual se possa dizer: "Todos os textos/poemas eram muito bons". E não me refiro a temas e estilos de predileção, não! Mas a conteúdos bem desenvolvidos. Sei que as antologias servem para mostrar trabalhos excelentes de autores que ainda não puderam partir para o voo solo, mas ainda prefiro saborear um escritor por vez, seja ele machadiano ou contemporâneo. de qualquer maneira, parabéns pelo texto que me/nos levou a tal reflexão!
Olá, Cinthia, obrigado! Não é difícil ler uma antologia apenas com textos muitos bons - é impossível. Mas está ao alcance do antologista selecionar o que lhe parece importante. Na verdade, a bola está com ele. Mesmo nas antologias que mencionei há textos a respeito dos quais nos perguntamos o que está fazendo ali...Quanto ao José de Alencar, cada vez que vejo um estudante de ensino fundamental com um livro seu, lamento não só a perda quase irrecuperável de um leitor mas também um possível trauma do professor que o obrigou a tanto.
Mas realmente acho que o antologista que se propõe a garimpar autores que lhes são contemporâneos é quase um heroi.
Abraço, e mais uma vez obrigado pela discussão.
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