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sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Malaquias, o frade




“Na última perseguição à Sagrada Igreja Romana reinará Pedro Romano, que apascentará as suas ovelhas no meio de tribulações, passadas as quais a cidade das sete colinas (Roma) será destruída e o juiz terrível julgará o seu povo.”

(Final de uma profecia que apareceu em 1595 e foi atribuída ao sagrado bispo Malaquias de Armagh, morto em Novembro de 1148)




Roma, dois de Abril do ano  que decorre


Vossa Santidade
Santíssimo Padre


Imbuído do respeito que me é devido, dirijo-Vos palavras que, pretendo, traduzam o meu testemunho e o meu reconhecimento.
O meu nome de baptismo escolheu-o minha avó Marquinhas. Dela aprendi a ser atento aos sinais dos tempos.

Santidade.
Quiseram Suas Eminências, os Cardeais, reunidos em Conclave, que fosseis Vós o escolhido. Que fosse um Cardeal oriundo da terra martirizada dos índios, a ter a incumbência de se perfilar no final dos tempos, ser o que recebe o anticristo.
Ou teria essa escolha sido um desígnio do Alto, que nas leis da Santa Madre Igreja não cabe a crença em profecias que considera inverdades.

Mas Vós, Santíssimo Padre, Vós tínheis lido e meditado nas cento e doze afirmações do frade, e seria disso que um riso suave iluminava o Vosso rosto ao olhardes aqueles homens doutos vindos dos quatro cantos: os Cardeais a ocuparem os seus lugares na Capela Sistina. Quase todos velhos, ofegantes, preparados desde os seus inícios para estes misteres de passar testemunho, e nem sabendo que os Profetas Negros escrevem muito mais direito pelas linhas que unem mundos do que o Deus Omnipotente em que acreditam Suas Eminências.
Vós sorrindo na terceira cadeira a contar do altar, na fila da frente.
Vós, o mais novo deles.

Lá fora, fazia um frio diverso do que era costume, que nem era neve mas gelo o que cobria a Praça de São Pedro. Eu, irrisório, invisível aos olhos do que era importante, velava para que se mantivesse acesa a fornalha onde deitariam votos. Cento e tantos cardeais e, assim, outros tantos papelinhos.
E foi uma vez e outra. Tantas, que quase perdi o conto daquelas em que foi necessário adicionar um fio de palha húmida para que, no gelo que soprava em rajadas sobre o Vaticano – ao fundo, o Tibre imensamente branco – se contrapusesse um fumo negro num desesperado no habemus papam.
E Vós sorríeis, manso, na terceira cadeira da fila da frente.
Sempre o último a colocar o voto.
O papel dobrado em dois tal e qual como Vós Vos dobráveis a orar:
– Chamo como testemunho Jesus Cristo, o Senhor, que Ele seja meu juiz, que o meu voto seja dado àquele que perante Deus considero dever ser eleito.

Mas nunca mais os votos ardendo sem um fio de palha.
Nunca mais um fumo imaculado.
Tinha sido o Novemdiales e o Pro Eligendo Papa. Sua Eminência o Cardeal Camerlengo tinha feito ouvir o Extra Omnes havia mais de quatro dias.
E foi quando veio a gripe. Os Vossos pares acamados. Dois deles mortos, ao quinto dia de Conclave. E não saía outro que não fosse fumo negro.
Gelava-se na Praça de São Pedro.

Pelo mundo, as televisões colocavam rodapés com notícias que pouco variavam, e as conversas, e os debates, na espera de que fosse anunciado, iam dando relevo às profecias: que este seria o papa maldito, que este seria o papa derradeiro.
Benziam-se as mulheres.
Que bem podia ser o fim dos tempos, diziam os mais velhos, e sorriam disso os muito jovens não sabendo. Em celulares e redes sociais vaticinava-se qual seria o Cardeal escolhido. Pelo meio, faziam-se anedotas e eram muitos os que acreditavam que estava perto a chegada do anticristo.
Rezava-se aos deuses mais diversos e venerava-se, sem constrangimentos, a Besta.

E o Vosso sorriso foi ficando triste.
Toldava-se o Vosso olhar tão puro, que era dos ares da selva que Vos tinha vindo esse olhar de menino. Vós a sentirdes o pecado das vestes, que era outro o Vosso modo de ser Igreja com o povo.
Mais Vos pesaria a mitra, e, no entanto, quando Vos foi inquirido:
– Reverendo Cardeal, aceitas a tua eleição canónica como Sumo Pontífice?
Foi sem hesitar que respondestes:
– Aceito, em nome do Senhor.
em uníssono, o Conclave suspirou de alívio.
De gripe e de desespero, tinham morrido vinte e oito Cardeais, nesses dois longuíssimos meses.
E quando o Decano voltou a inquirir:
– Como queres que te chamemos?
 Respondestes, em tom sereno:
– Pedro Segundo.
E, muito baixinho, e ainda assim de modo a ser ouvido:
– Pedro Romano.
E na Capela Sistina ressoou um urro.

E antes que houvesse o tempo de deitar lume nos votos, a Vossa capa magna foi voando a sair por onde deveria ter saído fumo branco.
Vermelho de inferno ou vermelho de sangue anunciando.
Benzeu-se pelo mundo quem era de costume, e benzeu-se quem ficou simplesmente pasmado ou medroso de que aquele vermelho fosse o sinal.
Na Capela, benzeram-se, à uma, os Cardeais que iriam beijar, em acto de obediência, o Vosso pé descalço a dar seguimento ao que sempre tinha sido. 
Mas Vós recusastes.
Sem férula, e nem a mitra que teria substituído o solidéu sobre o vosso cabelo ondulado e farto, negro como as cabeleiras dos índios vossos avós; com o vosso fato simples a contrastar com os luxos, ouviu-Vos falar o Mundo de uma Era Nova sob o frio de gelo que pairava sobre Roma.
Nem mais a Igreja Romana. Em suas cinzas se ergueria a Igreja de Cristo, a real, a verdadeira, a de mulheres e homens unos no voto de pobreza e humildade. Que seriam as riquezas colocadas ao serviço, pois seria na simplicidade que seguiriam os membros desta Igreja Nova.
Assim o proferiste enquanto pelo Mundo, num uníssono de catástrofe ou de festival, consoante, iam ruindo, uma a uma, as catedrais de cultos, fossem de crenças em deuses ou fossem catedrais de riquezas fúteis e mal-sãs ou catedrais do dinheiro.
Ardiam em fogos instantâneos. 
Fogos que não alastravam. Ardiam em chamas purificadoras apenas os excessos, que não ardia uma semente, nem animal, nem árvore, nem ardiam casas de gente, e ficavam verdes os cultivos e maduros os frutos.

Eu assistia ao Vosso Urbi et Orbi e o Habemos Papam de uma Igreja que acabava.

Mas do meu canto, eu apenas via o padre José do Espírito Santo, natural de Maués, aquele que eu mesmo um dia baptizara. E murmurava o meu muito obrigado, que nesta carta renovo.


Sou de Vossa Santidade, humildemente,

Malaquias, frade








Nota: texto revisto, elaborado no âmbito de uma oficina de escrita 





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6 comentários:

Texto muito oportuno.
Quando o li pela primeira vez, há mais de 2 anos, não captei a carga profética que desenvolvia, mas que, agora, a comunicação social se encarrega de divulgar.

Admiro a provável pesquisa profunda, suspeitada pela verosímil terminologia dos rituais do microcosmo católico.

o seu a seu dono , Joaquim, e se fiz alguma pesquisa, o Marco também enviou muita "papinha" quando da proposta :)

Este comentário foi removido pelo autor.

Lembrei assim que comecei a ler! Virando profetisa, é? Vou chamá-la de Fátima Malaquias! E embora a própria Igreja já se tenha encarregado de dizer que as profecias imputadas a São Malaquias eram falsas, melhor acertar uma no cravo, outra na ferradura! Rezo para que próximo se chamar, Pio, Leão, João... Longe de Pedro, que dirá Romano!

tomba dessa, não que isso se chama superstição amiga Cinthia eheheh

Assustadora revelação. Mas ainda não deve ser o final dos tempos. Que os cardeais tomem dela conhecimento. Profecia mais explicada que as de Nostradamus e atualizada. Que bom que em Roma não haverá neve, ou haverá?

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