(Atenção: como vinha escrito nos romances antigos, "isso é uma obra de ficção; qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais é mera coincidência". E não, o mundo NÃO vai acabar, ao menos que eu saiba...)
Primeiro foram os pombos. Dezenas, centenas deles. Milhares mesmo, talvez. E isso foi só o começo, o começo do fim. Do fim do mundo. Nem sei por que escrevo isso; em dois dias, não mais haverá leitores, não haverá mais ninguém. Nem eu. Mas tenho de ocupar o meu tempo nesta véspera do apocalipse, e descrever o que se passa é uma forma tão boa de fazer isso quanto qualquer outra.
Como eu dizia, primeiro foram os pombos. Começaram a aparecer mortos nesta manhã, na praça central da cidade. Envenenados, disseram os apressados. Assassinados por alguém sem coração, acrescentaram os defensores dos animais, que já começavam a organizar protestos quando souberam que o mesmo acontecera em inúmeras outras cidades ao redor do globo.
Horas depois, foram os gatos. E os cachorros. Começaram a cair mortos, um a um, sem nenhuma razão aparente, para desespero de seus donos. Ao meio-dia, já chegavam notícias do interior, dando conta que animais de maior porte também estavam encontrando seu fim. Ovelhas, bezerros, vacas, até os cavalos, simplesmente deitavam-se no chão e fechavam os olhos, às vezes dando um último balido, mujido ou relincho.
Na televisão, especialistas das mais variadas vertentes tentavam explicar o fenômeno. Era algo na água, algo no ar, uma praga talvez. Como aquelas do Egito?, perguntou um repórter engraçadinho, deixando o "ólogo" da vez constrangido - mas, ao mesmo tempo, sem coragem de dizer que não. Os religiosos negaram enfaticamente que as visões de São João estivessem prestes a se concretizar, mas lembraram que sempre é bom repensar a vida, arrepender-se do que fez de errado, decidir mudar para melhor.
Lá pelo final da tarde, mais ou menos no mesmo horário em que as flores e as árvores passaram a secar e a perder pétalas e flores, as igrejas das mais variadas confissões começaram a se encher. Ainda faltavam trinta e poucas horas para o fim supostamente previsto pelos maias (e, diziam alguns, também por Nostradamus), mas pelo sim, pelo não, melhor garantir uma bênção... Não havia nenhuma notícia de tsunami ou furacão se armando, porém se os animais e as plantas já haviam perecido, quem poderia dizer o que viria a seguir?
Agora, já anoiteceu. A cada momento, restam menos horas para o temido 21.12.2012. Pouco mais de um dia. Há controvérsias: o fim seria à meia-noite desse dia? Ou nos seus primeiros minutos? Ao meio-dia? Nesse dia, o mundo já não vai mais existir, ou ele será o último? Os maias, afinal, não deixaram dita a hora exata? Sacanagem deles conosco. Claro, nos últimos anos já foram previstos vários fins, como na virada do milênio, em que nem o bug aconteceu, mas...
Quando já estou angustiada, olho pela janela. Lá fora, à luz da lua, vejo uma forma que passa voando, devagarinho. Será uma pomba? Uma pomba levando um raminho no bico? Pisco os olhos, e lá está ela. Como a pomba de Noé, mostrando que havia vida após o dilúvio. No caso, após o fim, que sequer acontecera. Talvez tivesse sido veneno mesmo, ou algo na água ou no ar. Mas estava passando, e a prova estava ali. A vida estava ressurgindo. O fim do mundo não chegara, nem chegaria. Abro um sorriso, que se alarga quando vejo: na sacada do apartamento, a orquídea que nunca antes florescera não estava seca, e aproveitava o frescor da noite para abrir seus pequenos e maravilhosos botões amarelos...
1 comentários:
Muito bom, Maristela.
Que dizer que não preciso mais estocar comida e água?
Abraços.
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