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terça-feira, 18 de dezembro de 2012

LA BALSA


Otávio Martins

   Diacho, não perco essa mania de, sempre que vou escrever uma crônica, trazer à cabeça uma música. Esta crônica, confesso, surgiu junto com um bolero, antigo pra burro, que eu estava cantarolando, “La barca”. Uma música (e letra) do Roberto Cantoral. Ouvi esse bolero com vários intérpretes, entre eles Altemar Dutra, Trio Cristal y muchos otros. Entonces, desculpem, então, imaginando uma balsa como sendo um tipo de barca, ou embarcação, aproveitei que estava caminhando pelas pedras do porto, mandei ver. De cara, o título, La balsa. A essas alturas, já nem estava ligando o assunto com a tal de embarcação. Aproveitei os meus conhecimentos sobre a zona por onde ela, diariamente, se instala (por vezes, eu a vejo do outro lado do rio), mas, sempre ao alcance da vista.

   O que acontece do outro lado do rio, não vem ao caso. Gostaria de contar o que eu sei ou acho que sei sobre o lado de cá. Quase nada. Oitenta por cento, aproveito as informações que vou obtendo ao longo das minhas caminhadas pelo bairro, coincidentemente, bairro Balsa. Nem sei se são confiáveis. Os vinte por cento restantes, como diria o poeta Manoel de Barros, eu invento, podendo, até, ser pura mentira. Tem até uma Universidade Federal. Portanto, um bairro de algumas pessoas sabidas, ou letradas, supõe-se.

   Fiquei lembrando as minhas conversas com o seu Agostinho, bicheiro. Provavelmente, um homem aposentado. Deduzo isso, pela idade dele. Olha, mais de setenta anos, suponho.

   Seu Agostinho quis me fazer convencer que a partir da importância ($) de cada apostador; valor da aposta, acho, ele, mais ou menos, fica sabendo do poder aquisitivo de cada um. Nessa eu não embarquei. Eu, por exemplo, já cheguei a apostar em sua banca, mais de cinco reais. Entretanto, só tenho onde cair morto, porque a gaveta lá do cemitério está registrada no meu nome (herança de família). De papel passado. Essa –suponho - a minha tão almejada por muitos, propriedade privada. Ninguém seria louco de invadi-la. Pago pra ver.

   Aos sábados, contou-me, vai com o seu carrinho lá num clube para anotar a aposta de outros senhores (2) que só jogam no bicho nos fins de semana. Também, cinquenta mangos cada um. Quase o dobro do que eu, extravagantemente, por vezes, aposto. Ainda, argumentando em favor da sua tese, falou de uma senhora, de meia idade, que joga todos os dias, mas, não passa de cinquenta centavos/dia. Fichinha, comparados aos meus cinco reais, mesmo que esporádicos.

   Dicen que la distancia es el olvido. Noutros lugares também soube de algumas coisas do bairro. No ônibus – viajo nos bancos da frente – vejo cada uma; quase inacreditáveis. Isso ninguém me contou. “Meninos, eu vi!”. Tem uma senhora, setenta e lá vai fumaça que, volta e meia, viaja no “meu” ônibus. Mais ou menos ás 17:30. Entra com os dois netos que ela – deduzo – vai buscar na escola. Mais, acho que os leva, mais cedo. O menor é meu xará, Otávio. Os três, a senhora e seus dois netos ocupam um banco inteiro. Ninguém reclama. Onde ela pega o ônibus já é próximo ao fim da linha. Quase sempre os bancos da frente estão vazios. O maior fica na sua, observando se existe alguém (normalmente, velhos, aleijados, grávidas, obesos e outros qualificados) em pé. O Otávio não, já vai se abancando. Fodam-se!
 
Cuando la luz del sol se esté acabando... À noite, melhor não ficar dando sopa pelo Balsa. Apesar da noite ser uma criança, confiro minhas apostas na Internet. Nunca ganhei um puto tostão. Coisas da vida, já disse o Paulinho da Viola.

   Minha namorada nunca mais voltou. “... Piensas que yo por ti estaré esperando/Hasta que tú decidas regresar...
   Já ia esquecendo, tem um “canal” (a céu aberto) que teima em escorrer, para além da frente da minha casa, depois de cruzar por quase toda a cidade. Que merda!

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