O
rapaz chorava, infelicíssimo.
O
seu desgosto era profundo e completo, desesperado. Estava fisicamente incapaz
de recordar outros desgostos e a sua recuperação; não podia reconhecer que o
tempo, mesmo quando não cura, atenua o sofrimento para níveis que a biologia
pode suportar sem por em causa a sobrevivência.
Portanto,
estava extremamente infeliz e por toda a eternidade, que é a duração do
presente para os muito jovens.
Toda aquela miséria e desespero eram estranhamente doces; a sua juventude inocente também desconhecia que o sofrimento pode viciar, tal com a excitação, o amor ou mais duramente, a heroína.
Não,
não sabia disso - mas sabia que não merecia a dor que lhe apertava o peito, a
angústia, o futuro inexistente, não merecia nada disso. Sempre fora uma pessoa
decente, um “homem bom”.
Mas
o mundo não reconhece os homens bons, trata-os pior do que trata os maus. Levantou-se
e com a mão, limpou as lágrimas. Ah! A vida não merecia a pena de ser vivida!
Pegou na caçadeira, entrou pelo colégio adentro e matou tudo quanto viu mexer: não sofreriam como ele, não! Era demasiado doloroso, crianças tão inocentes e frágeis não mereciam tal desespero.
Quando já tinha acabado com todo o sofrimento potencial, apontou a arma para si próprio e premiu o gatilho, matando o sofrimento actual.
A dor desapareceu. Finalmente
7 comentários:
não
não
acho que não consegue
nem para um lado nem para o outro
nem fica sequer neutro
nem se compadece
não
por mim não me parece modo de tratar o caso
assim a seco
Literatura é literatura. Visão do autor é visão do autor. Dizem que não se discute. Mas pode-se comentar. Concordo com Fátima. Não é assim tão simples. E o viés, infelizmente, não é esse, romantizado, de fazer cessar o "sofrimento dos outros". O viés do psicopata que entra numa escola e mata inocentes, é de vingança, de inveja, de medo, de desprezo pela vida, de deificação do próprio eu, de maldade.
E essa coisa de "sofrimento pode viciar" é literária, portanto, está bonito. Mas de verdade, de verdade significa apenas que o sujeito é um masoquista, o que tambem é uma patologia.
Este é um tema delicado, principalmente após um evento como este assim recente, porém, o primeiro que me veio à mente foi "Crime e Castigo", de alguém potencialmente perigoso, que se acreditava acima do bem e do mal e que comete um crime somente para certificar-se disto.
Talvez seja uma falta de tato devido as circunstâncias, mas, em outra situação, seria o tipo de texto que causaria ligeiro desconforto e todos seguiriam suas vidas sem grandes preocupações.
Incomoda porque há um fato real; incomoda pela sutileza da abordagem, vitimizando o criminoso. Mas a Literatura também não é um mergulho nos temas que muitos temem abordar?
Este conto pode não ter a ver com fsctos reais. Nós, leitores, é que talvez estamos demasiados contaminados pelas notícias do dia a dia.
Conheço muito bem a autora portanto sou suspeito de favorecimento. De qualquer modo comento:
Belo texto e tema muito bem tratado, em particular por ter sido "em cima" do acontecimento.
Não espanta que as almas sensíveis tenham acorrido prestes a zurzir (de forma branda, como convém...) a audácia de quem se atreve a olhar para o agressor antes de ter ensopado as vítimas com lágrimas abundantes.
Gosto!
Eu podia ficar calado, podia, mas não… Acho que gosto de apanhar…
Muitas vezes critiquei contos (e fui criticado) por discordar do conteúdo (ideológico) dos contos e não por considerar esses contos más narrativas. Vou tentar separar os dois aspetos.
Geralmente, escrevemos contos sobre assuntos que, de alguma maneira, dominamos. Quando queremos escrever sobre assuntos que não nos são familiares, convém informarmo-nos. Aí, avançamos com uma segurança e uma profundidade, obtidas na informação, que dão verosimilhança à narrativa.
Pesquisando sobre este assunto da psicologia dos “mass shooters”, encontrei este site que me parece bastante bem fundamentado, com links para alguns dos aspetos tratados:
http://www.livescience.com/25666-mass-shooting-psychology.html
Por ele, parece que a Cinthia pôs o dedo na maior parte da ferida, acerca da vingança, da inveja, etc. E a ação destruidora vira-se geralmente contra quem humilhou e feriu o agressor, sejam colegas de escola, professores, patrões.
Não sei se o autor fez alguma pesquisa, ou se “atirou para a mancha”, como eu faço, às vezes, mas, segundo este texto, parece pouco plausível a ideia de matar para livrar alguém do sofrimento (como a Cinthia também notou). Mas acho que o autor acerta quando fala duma grande e insuportável dor do “mass shooter”.
O conto lê-se, tem aspetos interessantes como o da obsessão que não deixa espaço para a reflexão e já se tornou viciante. Parece, no entanto, demasiado ligeiro, simplista, apressado. Haveria talvez que explicar de onde vem todo o desespero e infelicidade, o que aconteceu. O leitor quer saber. E bom fora que ficasse convencido. E essa miséria da alma deve estar retratada por descrições de ações muito fortes. Dizer “Portanto, estava extremamente infeliz” é pobre. E as frases que se iniciam com «Sempre fora uma pessoa decente, um “homem bom”.», não parecem referir-se ao inicial rapaz choroso, mas ao narrador distraído a transferir a sua dor. E não se espera que o narrador apareça.
Se questionado, não daria um cartão vermelho a este texto, longe disso. Só recomendaria pesquisa e falta de pressa de acabar o texto.
saudades Joaquim da porrada que apanhei de vocês (e tu da gente rss) e aprendemos (acho) a fazer que o texto batesse as entranhas da gente em cada frase
saudades da porrada,mas lá era porrada mesmo rss era uma bébé ainda a Samizdat...
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