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quarta-feira, 17 de outubro de 2012


      Eu tenho uma estante de livros. A maioria deles foram sequer abertos, mas eles sempre estiveram comigo. Podia tê-los jogado fora ou dar de presente. Os livros não eram meus, pertenceram ao meu pai e à minha mãe. Alguns eram mais velhos do que eu e eu briguei por eles. Sequer abertos. Peguei uma vassoura e uma pá para limpar atrás da estante e assim, desloquei-a, tomando cuidado para não deixar os livros cair. Demorei quase uma hora para movê-la, mas não consegui colocar de volta. Anos passaram e a estante deslocada permaneceu em seu não-lugar, no meio de tudo.


***

      Minha casa não tem mais nenhum móvel, livros, estantes fora do lugar, mesa, cadeiras, quadros. Tudo é livre como meus sentimentos e o meu olhar. Não quero ter mais nada para ver, para descansar, para apoiar o meu corpo. Minha cama é apenas um velho cobertor sem travesseiros. Despojei tudo porque a simplicidade das coisas está distante e assim o teto, o chão e as paredes conversam comigo. O ar circula. Eu o sigo pela casa. Sozinha de objetos a casa só se importa com o objeto vivente e atuante. Sou o único móvel de decoração que não enfeita. Quer vir e dormir comigo? Pode vir e se acostume com o lugar. Se não posso ter uma vida simples, que a casa seja assim. Ora, não tenho vocação para asceta ou uma vida religiosa. Eles optaram por viver assim e eu escolhi viver sem nada não para alcançar a iluminação. Quero que o lugar em que vivo seja dedicado à simplicidade. Quando receber amigos, eles ficarão surpresos. Quando meu amor vier, ela dormirá sem conforto. Vejo as coisas do piso frio, de baixo para cima. Minha casa é a iluminada, eu sou um mero hóspede.

***

      Peguei meus sapatos velhos e os lancei janela afora. Todos eles sumiram. Exceto um, que vejo caminhando por aí: o sapato que não serviu...

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Rafael F. Carvalho
Autor do livro A Estante Deslocada, é paulistano, nascido em 27 de Fevereiro de 1978. Foi publicado em antologias de novos escritores e em jornais universitários, e é formado em Letras pela Universidade de São Paulo.


todo dia 17


2 comentários:

Bem-vindo! Feliz estreia! Eu ando despindo de tudo é a casa interna. A física, não consigo. Uma coisa ficou me martelando a cabeça: ver as coisas e as pessoas de baixo para cima... Acho que preciso tentar isso... Beijo!

Confesso que gosto bastante do primeiro conto, mas o que chamou a atenção desta vez, foi o segundo. A materialidade me incomoda muitas vezes... a simplicidade encanta e espanta... Soa até como um convite e todos deveriam aceitar.

Adorei e parabéns pela estreia ^^

Beijos
Babih Hilla

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