Eu tenho
uma estante de livros. A maioria deles foram sequer abertos, mas eles
sempre estiveram comigo. Podia tê-los jogado fora ou dar de
presente. Os livros não eram meus, pertenceram ao meu pai e à minha
mãe. Alguns eram mais velhos do que eu e eu briguei por eles. Sequer
abertos. Peguei uma vassoura e uma pá para limpar atrás da estante
e assim, desloquei-a, tomando cuidado para não deixar os livros
cair. Demorei quase uma hora para movê-la, mas não consegui colocar
de volta. Anos passaram e a estante deslocada permaneceu em seu
não-lugar, no meio de tudo.
***
Minha casa não tem mais nenhum móvel, livros, estantes fora do lugar, mesa, cadeiras, quadros. Tudo é livre como meus sentimentos e o meu olhar. Não quero ter mais nada para ver, para descansar, para apoiar
o meu corpo. Minha cama é apenas um velho cobertor sem travesseiros. Despojei tudo porque a simplicidade das coisas está distante e assim o teto, o chão e as paredes conversam comigo. O ar circula. Eu o sigo pela
casa. Sozinha de objetos a casa só se importa com o objeto vivente e atuante. Sou o único móvel de decoração que não enfeita. Quer vir e dormir comigo? Pode vir e se acostume com o lugar. Se não posso ter uma vida simples, que a casa seja assim. Ora, não tenho vocação para asceta ou uma vida religiosa. Eles optaram por viver assim e eu escolhi viver sem nada não para alcançar a iluminação. Quero que o lugar em que vivo seja dedicado à simplicidade. Quando receber amigos, eles ficarão surpresos. Quando meu amor vier, ela dormirá sem conforto. Vejo as coisas do piso frio, de baixo para cima. Minha casa é a iluminada, eu sou um mero hóspede.
***
Peguei
meus sapatos velhos e os lancei janela afora. Todos eles sumiram.
Exceto um, que vejo caminhando por aí: o sapato que não serviu...
2 comentários:
Bem-vindo! Feliz estreia! Eu ando despindo de tudo é a casa interna. A física, não consigo. Uma coisa ficou me martelando a cabeça: ver as coisas e as pessoas de baixo para cima... Acho que preciso tentar isso... Beijo!
Confesso que gosto bastante do primeiro conto, mas o que chamou a atenção desta vez, foi o segundo. A materialidade me incomoda muitas vezes... a simplicidade encanta e espanta... Soa até como um convite e todos deveriam aceitar.
Adorei e parabéns pela estreia ^^
Beijos
Babih Hilla
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