quinta-feira, 16 de agosto de 2012
E eu que escrevo tanto
por Cinthia Kriemler
7 Comentários
O mundo insiste nos pequenos textos e isso me incomoda. Tenho tanto a dizer... E se ninguém me lê, me escuta, ainda assim tenho muito a dizer. Sou isso, intensa, desordenada com as palavras. E com a vida. Amo, odeio, adoro. Nunca aprendi a gostar ou desgostar com olhos baixos, traços inertes, voz de falsete. Preciso da intensidade dos verbos, da sonoridade da fala, do avolumado das linhas completadas por letras que junto ou separo como me compraz.
Não sou mini. Não sei me conter em caracteres. Nem quero. Quero des-conter tudo o que se chamar emoção, tudo o que puder ser praticado com volúpia.
O tamanho de um texto é como o tamanho de um falo: em excesso, machuca; em escassez, frustra. Escrever um texto mais longo é como prolongar o sexo. Há que se ter beijo na boca, preliminares, arrepios na nuca, língua no ouvido. Que se ir descendo com calma e tesão até o umbigo, e passear as unhas nas costas, e sentir o pulsar gradativo das veias, do coração, do membro cheio de desejo. Até que tudo jorre em final. E se faça o silêncio. Silêncio de aconchego.
Mas me dizem os senhores da razão que um texto, um texto bom precisa começar já num impacto, sem os preâmbulos do crescendo. Dizem que o escrever moderno precisa ser assim: chocar o leitor na primeira frase e só depois contar a história. Sem explicar, sem introduzir. Curto, letal, total.
Eles dizem. Eu ouço. Mas não creio que escute. Talvez eles falem muito rapidamente, como os textos que propõem. Talvez eu escute muito lentamente, e não assimile o que me dizem.
Gosto de caminhar e de correr. Mas reservo às letras os passos. À vida, velocidade. E que ninguém se iluda sobre inverter essa fórmula. Nada acontece sem preço.
Se me deixo colher pelas poucas palavras, ou pelos textos diretos, ainda assim corro riscos. Se caminho lentamente pela vida, ainda assim corro riscos. Num caso, o de não dizer tudo o que quero, o de esquecer-me de coisas importantes. No outro, o de pensar que o tempo me sobra, ou que na lentidão serei melhor aceita, melhor compreendida, melhor amada, melhor avaliada.
Da façanha em dizer tudo com pouco resta-me a conclusão de que não tenho mesmo vocação para tamanha elegância. Sou mulher de cais, de taverna. Sou massa de moldagem. Estico-me nas palavras, tomo cores e formas; todas as cores, todas as formas e, ainda, todos os cheiros.
Sou as palavras que escrevo. Muitas, amplas, tolas, desconexas. E, no entanto, repletas de começo, meio e fins variados.
Um dia, ainda pretendo ser como eles, que comandam os modismos e as razões. Quero ser séria, contida, inteligente. Quero fazer referências sutis, jamais ser um dedo que aponta. Quero ser um olhar que diz tanto, ao invés de palavras que se multiplicam assanhadas. Um dia, preciso aprender a ter mistérios, a ser mistérios.
Só não sei ainda o que farei com as emoções engolidas, com os argumentos imergidos, com os pensamentos mutilados. Os senhores da razão ainda não me contaram essa parte da história.
7 comentários:
Sensacional,
Eu que sou prolixa me sinto confortada e aninhada nesse seu texto!!
Sou da turma dos micros, mas adoro macros como estes. Mais um lindo texto, Cinthia.
Cinthia, adorei seu texto. Está excelente. Eu tb. sou da escola antiga, que vai aos poucos. Nada a entregar o tesouro na primeira linha ou no primeiro paarágrafo. Já tenho sofrido puxões de orelha por causa disso, você sabe, não? Um abração. Vicência.
Lilly e Vicência, amigas prolixas, fazer o quê? Tem espaço para todos, mesmo que os modismos tentem ser verdugos! Como profissional que sou da Comunicação, sei que tudo evolui constantemente, mesmo que essa evolução signifique ir e vir em fórmulas já conhecidas, associadas a outras recém-descobertas. Acho que a gente deve se expor como sabe. Eu, prolixa, ele, enxuto, nós, intensas, eles, reticentes. Tem pra todo gosto e há gosto pra tudo! No mais, quem diz e decide que "tem que ser" assim ou assado me preocupa muito... Prefiro o "tudo pode ser" quando se trata de vida e de literatura. Nesse sentido, passeio pelos contos, pelas crônicas, pelas cartas e, ultimamente, até pela poesia (nessa tenho conseguido ser contida com as palavras, mas acho que é mais por covardia e insegurança de novata rsrs)
Amigo Edweine, deixe de modéstia! Você é da turma dos micros, dos macros, de todas as turmas! Isso é completude! Eu me referia aos que só aceitam um único viés, um único padrão e batem o martelo dizendo que só esse padrão é válido. É alguma coisa assim como "verdade absoluta", entende? Coisa que não existe em face do relativo! Beijocas, meu amigo mini e maxi!
Belo texto, Cinthia.
Acho que você está precisando investir num romance, onde tudo é necessário, mas, ao mesmo tempo, tudo é desnecessário: um prolongamento perpétuo, o retardamento do clímax, o desenvolvimento de situações e problemas apenas para capturar o leitor até o desenlace inevitável e, muitas vezes, frustrante, pois o fim de uma boa narrativa sempre deixa um vazio e uma doce angústia.
Entendo o valor e a incisão das narrativas brevíssimas, mas penso até que elas possam, em algum momento, comprometer e prejudicar as narrativas longas de duas maneiras: 1 - com escritores incapazes de se prolongarem, e 2 - com leitores incapazes de se concentrarem.
Mesmo assim, o romance ainda é a forma por excelência da experimentação e da renovação, que engole todos os demais gêneros, que assimila todas as inovações e que ainda é a mais propícia para mergulhos profundos na natureza humana.
Abraços.
É este exatamente o meu projeto para o ano que vem, Henry! Estou aqui embrionando um romance. Embora eu seja dos contos,percebo que mesmo entre conto e romance a distância é imensa. Prender a atenção do leitor num conto é mais fácil e possível. Num romance, essa necessidade se dilata. Mas vou tentar. Eu tento sempre. Agradeço pelas palavras que só me incentivam! Abração!
Beijos, querida amiga. E obrigado pelas palavras.
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