Por Ju Blasina |
Andavam pela rua, pela primeira vez, sozinhos. Era um passeio feito de improviso, motivado pela beleza do dia, pela tentativa frustrada de conseguir um taxi no retorno para casa e pela saída obrigatória a um dressas obrigações referentes à saúde dos neonatos ─ vacina, revisão, testes disso e daquilo. A tarde estava quente, o pequeno dormia tranquilo e sorridente curtindo o balançar dos passos de sua mãe que o levava onde antes havia uma barriga das maiores que se pode conceber. Para ele, o primeiro passeio, para ela, um dia perfeito: passado um mês desde que se tornara mãe e as coisas pareciam, enfim, estar voltando aos seus lugares, ainda que fossem novos tais lugares, era o início do fim do caos dos primeiros dias.
Seu bebê estava bem, suas calças ameaçavam cair, seus pés doíam um pouco sobre os saltos que só agora podia voltar a calçar e desconfiava que sua blusa estivesse molhada de leite ─ novamente! Era um dia perfeito! Viviam um momento perfeito! Ela sorria ao ouvir os suspiros dele sobre seu peito ou seria ele que suspirava ao ouvir as batidas ritmadas do coração dela?Um som que ele conhecia tão bem... Tinham agora um ao outro numa proximidade tão grande quanto a da gestação, numa união talvez maior que a antes proporcionada pelo enorme cordão que prendia ele a ela ─ em cinco perigosas voltas.
Enquanto ele parecia sonhar com mamadas, ela pensava na família inusitada que tinha, na qual pensava ser ela o único o laço que os unia, mas não era dela a força que mantinha o nó. Pensava no quanto os laços de sangue são supervalorizados e no quanto desejava que o que a unisse àquele pequeno ser que carregava nos braços fosse feito de bem mais que isso.Pensava e seguia perdida em pensamentos, até que uma voz a arrebatou ao dobrar a esquina. Era uma voz feminina forte o suficiente para atravessava a janela da casa onde dizia:
"os filhos não nos pertencem,
eles são transitórios, assim como somos nós...".
A casa era espírita, a voz, encarnada ─ ao menos, parecia!
Olhou para si mesma, naquele primeiro passeio com o filho no colo, enrolado numa manta, dentro de um saco de dormir, encostado em sua barriga, a cabeça sobre o peito da mãe, o corpo envolto firmemente pelos dois braços dela... "Meu bebê, tão meu!" ─ dizia aquela mesma mulher que, antes de ter um filho pregava aquele mesmo discurso da voz que fugia da casa espírita. É tão mais fácil dar ao mundo filhos que não são seus!
Sentia-se um pouco mal pelo sentimento de posse que a agarrava ao menino ─ sentimento esse que a fazia subir escadas com ele nos braços, mesmo sobre altos saltos, apenas por não suportar a distância que os separaria, caso deixasse que outro colo o levasse... Da mesma forma que se sentia mal quando torcia para que ele não acordasse na rua, temendo ter que expor o peito a estranhos para lhe saciar a fome... Ou quando acordava irritada pela noite mal dormida ou quando se olhava no espelho e não mais enxergava a mulher englobada pela mãe... Desde que se tornara mãe, sentia-se mal, várias vezes ao dia e em alguns dias, sentia-se péssima. E naquele dia, em que tudo parecia perfeito, eis que vem aquela voz desagradável a criticar o que, até então, parecia a melhor sensação do mundo: a de ter alguém para chamar de seu! E reciprocamente, dar-se de todo a ele.
Se há algo que a maternidade ensina rapidamente é a generosidade. Doa-se as noites de sono, doa-se espaço nos armários, doa-se tempo, doa-se a própria forma, doa-se inteira ─ e só uma vaidosa "da pior laia" sabe o quão custoso é pôr a vaidade num saco por amor a outro ser. Doa-se sem esperar nada em troca. Quer altruísmo maior que esse? Doar-se por amor, pelo bem de alguém que só se quer bem. E não era por tamanha doação que ela se sentia mal, mas por não alcançar de todo a abnegação. Por manter-se humana na imperfeição, por ser a mesma, apesar da maternidade.
Gerar, parir, criar... São verbos mais difíceis de vivenciar que de conjugar, mas ainda mais difícil é adquirir o desapego necessário para deixar a roda girar seguindo o inevitável ciclo do nascer, crescer, reproduzir e... pior ainda, aceitar que não se pode livrar os filhos do mesmo destino, que não se pode livrar-lhes de qualquer destino! E que eles seguirão seu próprio rumo, a despeito de quantas voltas se dê em torno de seus pés, pescoço ou corpo inteiro.Bom enquanto o som do bater do coração de mãe pode impedir-lhes de se preocupar com o que as vozes do mundo sussurram ao dobrar a esquina... Bom para este mesmo coração é tê-los nos braços enquanto se pode andar com eles por aí ─ duas vidas sobre um mesmo par de pernas.
Ainda que as pernas cansem logo e que as vozes tenham toda a razão.
1 comentários:
Que belo texto. Sempre arrasando!!
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