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quinta-feira, 19 de julho de 2012

Literatura x modismos


(Maristela Scheuer Deves)


Cresci lendo de tudo, de clássicos brasileiros e estrangeiros aos romances de Barbara Cartland, dos livros da série Vaga-Lume às edições de banca dos romances policiais de Agatha Christie, de gibis a fotonovelas. Li Machado de Assis e Paulo Coelho, Alexandre Dumas e Sidney Sheldon, Stephen King e Dan Brown. Encantei-me com a prosa poética do livro Iracema ("a virgem dos lábios de mel, com cabelo mais negro que a asa da graúna"), ri com as traquinagens de Emília e de Pippi Meialonga, maravilhei-me com a inteligência de Sherlock Holmes e me emocionei com as intrincadas tramas familiares tecidas por V.C. Andrews.

Faço essas citações aqui no início do texto para que não me acusem, mais adiante, de discriminação literária. E quero deixar bem claro: não sou daquelas pessoas que acham este ou aquele tipo de literatura "melhor" do que os outros (nem daqueles que insistem em rotular certos livros como pseudoliteratura). Não me considero intelectual e leio não porque acho que isso vá transformar o mundo, mas porque é algo que sempre me deu prazer.

Dito isso, vamos finalmente ao tema deste texto, os modismos literários. O título acima é, na verdade, uma provocação, uma vez que os livros não deixam de ser literatura por serem "da moda". O correto talvez fosse escrever "modismos literários x outros livros". Sim, pois é essa a sensação que tenho cada vez que olho a vitrine de uma livraria ou uma lista de mais vendidos: há livros "da moda" e livros que, por não estarem na moda, ficam relegados ao fundo das prateleiras e ao esquecimento dos leitores.

Claro que há uma impossibilidade física de todos os livros lançados ocuparem lugar de destaque numa livraria ou estarem entre os primeiros nas listas de mais vendidos. O que não entra na minha cabeça, no entanto, é o que faz com que praticamente todas as livrarias exibam as mesmas obras em destaque, ou que o gosto dos leitores de um país inteiro seja tão homogêneo a ponto de os mesmos títulos se repetirem indefinidamente. Já tive até mesmo essa sensação em feiras do livro, ao ver os mesmos títulos replicados em dezenas de estandes, com raríssimas exceções para algo diferente.

Além dessa exposição demasiada sempre dos mesmos, há também modismos de temática. Se um livro que mescla conspiração com elementos religiosos (vide O Código Da Vinci) faz sucesso, logo as prateleiras se enchem de livros com tramas semelhantes. Se são os vampiros light de Crepúsculo que estouram, multiplicam-se os títulos nessa área. Agora, a moda do momento é a literatura erótica - já que Cinquenta Tons de Cinza vendeu 13 milhões de exemplares mundo afora, novos livros nessa linha vão surgindo, e até mesmo clássicos como A Ilha do Tesouro (!) ganharão versões mais sensuais.

Está certo que já se escreveu de tudo e sobre tudo, mas algumas coisas são exagero. Também não entendo aqueles que leem algo só porque todo mundo está lendo. Fico lembrando de uma amiga minha, que dizia que não era boi de canga para andar sempre junto com os outros e fazer só o que os outros faziam. Cadê o prazer de passear entre as estantes, pegando livros ao acaso, olhando capas, lendo contracapas e orelhas, bisbilhotando as primeiras linhas para só então decidir o que levar?


Antes que alguém atire a primeira pedra, não tenho nada contra os best-sellers. Já li vários, apenas normalmente deixo a poeira do momento assentar para ver se o livro permanece e segue valendo a pena ser lido. Há exceções, claro, como uma de minhas últimas leituras, O Prisioneiro do Céu, do espanhol Carlos Ruiz Záfon, que aparece entre os 10 mais vendidos. A diferença é que não o li porque ele estava na listagem, mas sim "apesar de". Li porque já conhecia as obras anteriores do autor, porque gostava do seu texto, e porque a história parecia interessante.
 
Enfim, creio que não há mal algum em ler livros "da moda". Apenas sugiro que se tenha a mente aberta para ler também outras coisas e descobrir a variedade de boas histórias que há por aí. Não é só a vitrine que existe: revire também as prateleiras mais escondidas, folheie bastante, examine orelhas. Você poderá se surpreender, e descobrir que o mundo da literatura é bem mais rico do que pensava.

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Maristela Scheuer Deves
Jornalista por formação e escritora por vocação. Atua como editora assistente de Variedades no jornal Pioneiro, de Caxias do Sul/RS, em cujo site também mantém o blog Palavra Escrita, voltado ao mundo dos livros. Escreve desde que consegue se lembrar, e atualmente prepara para publicação seu terceiro livro, o infantil "Os Deliciosos Biscoitos de Oma Guerta", contemplado pelo Financiarte. De sua autoria, já estão nas livrarias o romance policial "A Culpa é dos Teus Pais" e o infanto-juvenil "O Caso do Buraco".
todo dia 19


3 comentários:

Gostei muito do teu texto. Expressa de forma clara o que eu penso, mas ainda não tinha colocado no papel, pois ultimamente ando mais preocupada com minha própria produção literária.
Também li diversos dos livros e autores que leste e também compro livros da moda, contudo, concordo com a colocação que fizeste de que, além das livrarias e editoras exagerarem na publicidade dos livros em questão, os leitores também deveriam, se leitores de verdade são, remexer as prateleiras.
Parabéns pelo excelente texto crítico.
Abraços
Adriane Bueno

Não é a primeira vez que leio o que você escreve. Nem vai ser a última em que vou concordar com esses seus pés no chão. No momento, me encontro tentando começar (pela terceira vez) o livro de um autor da atualidade, que já ganhou prêmio e tudo. E não consigo. Pode ser que sejam apenas as primeiras páginas que achei maçantes. Por outro lado, acabei de ler um outro, de autor desconhecido das grandes massas (no sentido do marketing, claro) e que me desceu muito bem. Gosto dessa sua lucidez que pontua sem ofender e que me faz sentir menos "culpada". Em tempo: li essas coisas todas, também, famosas ou não, mais ou menos cultas. Tudo é bagagem.

É isso aí, Cinthia e Adriane: leitura sempre é bagagem. E como é bom descobrir um autor que não é badalado mas sabe contar boas histórias!

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