Levava vida insignificante em uma cidadezinha do interior. Jovem filho de
um político local, não foi difícil arranjar colocação no único jornal daquela
comunidade provinciana. Sob o grosso manto do emprego intermediado pelo pai,
produzia artigos verborrágicos que julgava admiráveis. Aos sábados, semanário
dobrado e encaixado sob a axila esquerda, desfilava sua arrogância pelos bares
da cidade.
Era alvo constante dos louvores do
seu chefe, um editor atolado em dívidas com o tal político e tão medíocre
quanto ele. Em verdade, o destino — este sarcástico incurável — ligara as três
personalidades apagadas: o Pai, o Filho e o Espírito Pouco Santo do editor.
Acreditando estar escorado pelo prestígio paterno, ficou abalado quando,
certa tarde, o editor lhe fez uma pequena crítica. Construtiva ou não, o chefe
lhe dissera que faltava vida no artigo que escrevera. Voltou para casa amuado,
deitou-se na cama, encarou o teto e chorou seu primeiro fracasso.
As críticas se tornaram cada vez mais frequentes. Tentava argumentos que
imaginava sólidos, mal disfarçando sua irritação. Cheio de mimos, odiava ser
contrariado, pois crescera desconhecendo o significado de uma negativa aos seus
caprichos. Em seu íntimo, estabeleceu assim que o editor não passava de um
incomensurável cretino, esquecendo que o considerava genial quando antes o
elogiava.
Dando sequência a sua orgia de rancores, decretou que o editor era o
maior idiota já parido pela humanidade quando ele passou a desfiar elogios aos
textos de uma estagiária de pernas grossas, recentemente contratada.
Neste dia embebedou-se e vomitou o seu despeito.
Passou a acompanhar com avidez as matérias escritas pela estagiária,
apontando defeitos nos textos da mocinha e, em contrapartida, auto-elogiando-se.
Já não era bem visto no jornal e começou a ser evitado pelos colegas na redação
que o travavam pelas costas de Caim, o invejoso.
Ao ser foi publicamente censurado pelo editor ao trocar em uma matéria o
nome de uma autoridade estadual em visita a cidade, voltou para casa furioso, ligou
para o amante clandestino e exigiu prazer naquela noite como tentativa de
apagar sua sensação de derrota.
Todo o ódio reprimido explodiu ao saber que o editor tinha um caso
amoroso com a estagiária de pernas grossas. Como nutria uma paixão platônica
pelo chefe, sentiu-se duplamente traído em sua vida sentimental e jornalística.
Naquele dia, não voltou para casa, não chorou seu fracasso, não vomitou o
seu despeito em álcool e muito menos aplacou suas frustrações nos braços de um
rapaz. Matou a estagiária com cinco facadas e, vestindo as roupas da vítima,
bateu na porta da casa do objeto de sua paixão. Ao atender, o editor pasmou-se
com aquela caricatura de mulher, sangue maculando as mãos, rosto desfigurado
pela insânia, desesperadamente a gritar: “Eu te amo!”.
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