Toda vez que faz a barba,
Onofre Badia toma coragem.
Se acha bonito e confiante,
joga no bicho, acerta um milhão.
Dá voltas ao mundo, entra em campo,
faz gol da vitória, fala em público,
compra carro zero, zera prestações,
chuta o chefe, xinga o guarda,
zomba do médico, enche a cara,
come torresmo e baba de moça,
Elege seu candidato, muda o governo,
escreve artigos, protesta na porta do quartel,
briga com o síndico, denuncia o bandido,
o político corrupto, o lixo na rua
e a dona do cachorro porcalhão,
Namora a vizinha atriz,
desfila com a vizinha atriz,
faz questão de que todos saibam
que está namorando a vizinha atriz.
Provoca ciumeira na vizinha Cristina Pri,
termina o namoro com a vizinha atriz.
Consegue, enfim, um sorriso da vizinha Cristina Pri,
anota o telefone da vizinha Cristina Pri,
jura ligar para vizinha Cristina Pri.
Enche o peito, prende a respiração, dispara o coração,
- coragem, irmão -, deixa o telefone tocar cinco vezes.
Até desistir.
Enxugando o rosto já liso e macio,
Onofre Badia reza.
Para barba crescer logo.
Toda vez que entra no banho,
Cristina Pri vira expedita,
baixa o santo da determinação.
E resolve tudo. A solução da equação,
a idéia da reunião, a próxima viagem,
quem vai dormir com quem,
o destino dos claudicantes,
a escalada dos miseráveis,
a sentença dos patifes, o caso da Palestina,
a obviedade dos enigmas,
o mistério das profundezas,
o voto, o imbróglio,
o problema, o dilema,
o presente da amiga, o menu da festa,
o lugar das flores, a pauta do seminário,
a ordem da entrada, a hora da saída,
o futuro do Brasil, do planeta e o seu destino.
Enquanto a água cai, é decidida e resoluta.
Jura para espumas e ladrilhos que,
dessa vez, tudo será diferente.
Se resolve atender aos sorrisos do vizinho Onofre Badia,
decide, então, planejar.
O flerte, o olhar, o beijo.
O toque, o abraço, o encaixe perfeito.
A roupa despida, o corpo oferecido.
O passeio das mãos, os pelos ensaboados, a respiração.
O vai e vem, o entra e sai, a dança sem fim.
O suspiro, o gemido, o ái.
Nem se dá conta do telefone que toca.
Cinco vezes, até desistir.
Fim do banho. Torneiras torcidas,
pingos escassos, toalha na mão.
A vida esfregando lá fora.
E assim são Onofre Badia e Cristina Pri.
A cada barba, a cada banho, o sonho de ser o que não é.
quarta-feira, 20 de junho de 2012
A barba e o banho
por José Guilherme Vereza
1 comentário
1 comentários:
Muito bom o texto! É sempre assim: resoluções efêmeras, fracassos eternos.
Abraços.
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