Foto: Google Imagens
Convenceram-na de que o Amor seria um, e para toda a vida. E a costurar esse convencimento, os laços de seda das almofadas que teriam o seu nome e o dele, em anagramas, e as colchas de babados em que ele a deitaria delicadamente, e onde lhe faria carícias em curtos ais. Havia ainda, a completar essa imagem perfumada, filhos saudáveis, uma casa com escadas, miosótis em vasinhos e longos lírios brancos plantados num jardim ensolarado de verão. Uma vida em rendas de guipûre, lavandas e rezas.
E ela se tornou, assim, uma moça feliz.
Convenceram-na de que ela deveria aguardar pelo homem certo, que chegaria de surpresa numa tarde de chuva, tomando-a em seus braços fortes para impedir que ela escorregasse na calçada molhada. Eles se olhariam com devoção incontida e, sem palavras, compreenderiam que eram duas almas entrelaçadas pelo destino. E encostariam, juntos, suas cabeças na vidraça enfumaçada pelo vapor da primavera.
E ela se manteve, assim, uma moça feliz.
Convenceram-na, mais uma vez, depois que os anos já haviam lhe trazido pequenos sulcos ao redor dos olhos, de que os ventos de outono ainda poderiam esconder encantamentos, e que ela escutaria, nas folhas amareladas e secas, os passos calmos e seguros daquele que viria para beijá-la na testa e oferecer-lhe o ombro largo e acolhedor. Falariam de livros e ela tocaria para ele Bach ou Chopin, para que ele não pensasse que era apenas uma tola a dedilhar o Pour Elise.
E ela prosseguiu, assim, uma moça feliz.
Convenceram-na, por fim, tão logo os fios brancos se alastraram atrevidos pela cabeleira longa, que era hora de fazer-se fria como os dias do inverno rigoroso, e amanhecer para cercar-se dos filhos de outras, das histórias de outras, das almofadas de outras... Com anagramas que não seriam seus. E ela faria fornadas de biscoitos enfeitados, e poderia trocar o chá por um cálice de licor de frutas, e viajar sozinha em excursões familiares, e contar às meninas sobre um futuro em rendas de guipûre, lavandas e rezas.
E ela não quis mais ser uma moça feliz...
Convenceram-na, no entanto, de que era ingrata. E que deveria conformar-se com a vida. E que deveria sentir-se agradecida ao Bom Deus por existir. E que deveria manter-se digna e honesta até o fim. Até o fim...
E ela pegou sua dor, seus cabelos longos, bastos e entremeados de branco, suas memórias de jardins de lírios, de vidraças com vapor de chuva, de carícias em curtos ais e de crianças que não eram suas, e lançou-se porta afora, mãos na cabeça, como a espremer da memória uma vida que também não era sua.
E ela entrou num bar, e fartou-se de álcool, e flertou com os homens, e viciou-se em procurar amor em lençóis baratos, em corpos suados, em bocas sem beijos.
Até um dia... Um dia em que seus olhos encontraram seus olhos no espelho. E neles havia anagramas, músicas, lavandas e tantas outras coisas que eram suas, só suas.
Convenceu-se, enfim, de que o Amor era mesmo só um. Para toda a vida.
E deitou a si mesma sobre a colcha de bordados. E se fez carícias.
Era, finalmente, uma moça feliz.
3 comentários:
Caramba! Muito bom, eu acho.
Obrigada, mac!
Adorei, Cinthia! Da ilusão à decepção diante de uma felicidade ora bordada ora esmaecida em anagramas empurrados goela abaixo para, finalmente, "se tocar" da vida.
Muito bom!
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