Joaquim Bispo
Após o jantar, Edgar desceu para comprar tabaco e aproveitou para tomar uma aguardente.
Só refiro esta ingestão de álcool para tentar entender porque se equivocou de piso, no regresso a casa. Por outro lado, nem isso explica como conseguiu entrar no apartamento por cima do seu.
Certo é que ficou atrapalhado por não reconhecer o espaço. Era amplo, sem divisões. Da penumbra geral, sobressaíam dois grandes retângulos luminosos no chão. Aproximou-se do primeiro e, estupefacto, reconheceu, em baixo, a sua mulher a pintar as unhas dos pés em frente à televisão, como se o pavimento fosse transparente. No outro, vislumbrou a filha na casa de banho, a limpar o rosto em frente ao espelho. Recuou com algum pudor, receando a implícita invasão de privacidade.
Nesse momento, percebeu atrás de si um ténue som de arrastamento. Pouco depois, Edgar engrossava a estatística dos homens que desaparecem depois de saírem para comprar tabaco.
* * *
[Miniconto integrante da antologia do I Concurso de
Minicontos Autores S/A – 2013]
4 comentários:
muito bom...
Curto e completo. A frase final, então,é genial.
Sinteticamente sintetizado, o mini-conto, surpreende pelos subentendidos, pela mensagem implícita, completa.
Agradado com o vosso apreço. Obrigado!
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