Quando o último bumbo bumbou e o repenique parou de repenicar,
Batista levantou-se da beira da calçada, lépido e esguio como se nada tivesse acontecido. Caminhou firme pela rua, desviando de bêbados, latas de cerveja e poças de restos de chuva e urina. Tomou o rumo da ladeira sinuosa, quando foi recebido por paralelepípedos mal calçados. Seus pés ardiam. Suas pernas formigavam. O sol já dava sinais de inclemência. Suores brotavam do seu rosto, desciam pela nuca, corriam pelos braços e peitos nus.
Batista estava firme. Passo a passo, ao ritmo de um batuque imaginário,
era acompanhado de uma miscelânea de pensamentos e lembranças dos últimos cinco dias.
A colombina encantadora, a passista de ancas exuberantes, a socialite do camarote,
a turista sueca de cintura dura, a universitária do Leblon de tamborim na mão,
a morena mulher de verdade travestida de travesti no baile alegre,
todas, todas por onde se fartou de amar urgente e sem compromisso
passeavam desnudas seus sorrisos, cheiros e sons de sexo na sua memória recente,
efervescente e atormentada.
Ao chegar no topo do outeiro, tudo se dissipou.
Contemplou o bom e velho portão de madeira, não puxou mais que três vezes
a corrente do pequeno sino, quando um monge apareceu:
- Pode entrar, Irmão Batista. Esta casa é sempre sua.
E Batista não perdeu tempo. Banhou-se na bica do pátio, recebeu vestes humildes,
calçou sandálias. Comeu pão, bebeu água em cuia. Caminhou contrito até a capela,
esperou a missa, onde seguiu todos rituais: cantou, orou em voz alta,
elevou as mãos aos céus, abraçou o próximo e recebeu a comunhão.
Da pequena igreja, fisionomia contrita, desceu uma escadaria soturna.
Refugiou-se no claustro, onde por lá resolveu ficar recluso a tempo perdido.
De joelhos, olhos fechados, cabeça baixa, terço na mão. Meditando, orando, rezando.
Para regenerar a carne e lavar a alma o quanto fosse preciso.
Até que o próximo carnaval chegasse.
segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012
Cinzas
por José Guilherme Vereza
2 Comentários
2 comentários:
um continho fresco, quase ingénuo, doce, que se lê e se fica contente
muito bom!
Essa sua pequena e moderna ode à hipocrisia é uma delícia!
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