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segunda-feira, 7 de junho de 2010

La Chanson Dernière

por Ju Blasina
Deitada em sua cama, ela brincava de adivinhar. Era um jogo simples, travado em seu lugar secreto, usado nos momentos de dor, de medo e de solidão, tendo como único adversário, o tempo. Esperava com isso dele ganhar um pequeno crédito em instantes ou memórias, por menor que fossem. Naquela altura da sua vida, isso era tudo o que importava!

Ouvindo a primeira música, Paris, foi levada ao momento em que vendeu seu tempo em troca de moedas que agora, já não tinham valor... Ah, se hoje lhe fizessem tal proposta ou essa multiplicada por dez, por mil, a resposta seria outra... Qual a serventia de todas as riquezas acumuladas, se já não havia tempo para desfrutá-las ou saúde para retornar à sua amada Paris? Definitivamente, aquela não fora uma troca justa! E balançando a cabeça negativamente, no ritmo da canção, ela criticava a estupidez de sua juventude.

Não, não seria naquela faixa... E tinha um bom presságio em relação à próxima; “se fosse La Vie En Rose...” mas não, era Rien Du Rien. Não era uma canção romântica, porém, ainda assim floresciam quentes lembranças sob as cobertas que lhe guardavam do frio. Havia amado tanto e por tantas vezes! Havia amado a tantos... E sido amada também, nem sempre com a mesma intensidade ou reciprocidade, mas o amor por si já fazia tudo ter valido a pena! Se havia algo para lamentar, era o silêncio que morava entre o fim de uma faixa e o início de outra.

Quase apostou na próxima, mas o tempo lhe deu outra vantagem – estava generoso ele hoje! O que viria a seguir? Padam... Padam... dizia a vitrola. Seria essa a última canção, a trilha sonora do seu adeus? Um adeus que ninguém poderia ouvir. Não se entristecia por isso; despedir-se-ia da vida e das pequenas marionetes que dançavam em suas memórias falhas e o faria com o maior sorriso que suas forças pudessem permitir!

Não temia a morte. Não mais... Depois de tantos anos de dor, já havia se habituado a sua proximidade gélida. Sentia o calor se dissipar do quarto a cada instante e isso era o prelúdio do fim. É claro que ainda restavam muitas dúvidas, mas nenhuma necessidade de saciá-las. Não seria deselegante ao ponto de reclamar ao vazio. Não temia o partir – partiria à francesa! – nem lamentava a solidão: dizia a si mesma que as pessoas são mais belas nas memórias, os momentos, mais coloridos, sejam eles de tristeza ou de alegria, e quando havia uma pequena falha, ela logo a preenchia com uma bela pincelada de fantasia!

Por isso, não, não temia o fim. Mas temia profundamente partir no entremeio de uma canção tão linda quanto Adieu Mon Coeur... Por isso, nessa rodada, passaria a vez...

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Nota da Autora: Esse conto foi escrito sob a súbita inspiração provocada pelo filme "Piaf - Um Hino Ao Amor" (originalmente "La Môme", em inglês "La Vie En Rose"), lançado em 2007 sob a direção de Olivier Dahan. Todas as canções citadas no conto (títulos em itálico) foram interpretadas por Edith Piaf.

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Ju Blasina




todo dia 07


2 comentários:

O conto é tão denso e expressivo, tal como o filme, que dá uma vontade que ele fizesse parte do argumento do filme. Parece um complemento perfeito. É muito belo! Abraços. Paz e bem.

Obrigado... O filme me emocionou muito!!! Beijos

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