José Guilherme Vereza
Café da manhã. Carlinhos já de gravata, olhos pregados no jornal.
Chega a mãe de bule na mão. Penhoar amassado, cabelo preso mal ajambrado,
cara de que madrugou para botar a mesa.
- Bom dia, filhinho.
- Bom dia.
- Eu disse bom dia, filhinho.
- Eu respondi: bom dia.
- Você fala pra dentro.
- E a senhora não ouve de fora.
Só ouve o que já está dentro.
- Você está irritado, meu filho?
- Não.
- Eu irritei você?
- Não. Claro, que não, mãe.
- Alguma notícia irritou você?
- Não, mãe. Já estou vacinado com as irritações do mundo…
- Foi essa Gabriela, então.
Ela irritou você. Você chegou tão tarde…
- Não, mãe. A Gabi não me irrita nunca. Muito pelo contrário.
É o meu bálsamo. Meu oásis. A flor que nasceu no brejo
onde minha vida se atolava… Gostou?
- Poesia não enche barriga, Carlinhos.
- Mãe, me deixa ler o jornal em paz.
- Você é tão inocente, meu filho.
Não sabe nada da vida… Carlinhos, está me ouvindo?
- Estou ouvindo uma voz ao longe,
voz de chapinha arranhando no ladrilho,
unha arrastando no quadro negro…só isso.
- Você não era assim.
- Assim como?
- Grosseiro e irritado.
- Mas eu não estou irritado.
- Desde que voltou para casa ficou desse jeito.
Foi recebido com tanto carinho, meu Deus…
- Provisoriamente, mãe. Eu avisei: pro-vi-sio-ra-men-te.
- Não sei por que largou a Belinha, moça tão boa, coitada…
- De novo, mãe: o casamento ficou chato, sem graça, acabou.
- Por que você não arrumou uma amante?
É isso que os homens fazem para manter o casamento.
Seu pai sempre foi assim. Você acha que eu não sabia?
Pois sim. Sabia de tudo e bico calado.
O importante é que ele nunca deixou faltar nada nessa casa.
- Eu não acredito que estou ouvindo isso.
- Você está irritado, meu filho.
- Não, não estou irritado.
- Por que está falando assim com irritação?
- Mas eu não estou irritado. Já disse.
- Está sim. Mãe sabe quando o filho está irritado.
Carlinhos tira os olhos do jornal, suspira,
levanta a cabeça e finge que conta as teias de aranha no teto.
Com toda calma, pega bule, xícara, pires, pratinho, manteigueira,
potinho de geléia, joga tudo contra a parede.
- Agora estou irritado, mãe. Satisfeita?
A mãe, calada, arruma um pano para limpar a sujeira.
E se abaixa, vitoriosa, para catar os cacos.
domingo, 13 de junho de 2010
Bom dia, Carlinhos
por José Guilherme Vereza
2 Comentários
2 comentários:
Ai, as mães... Nada melhor nem mais cruel que uma... risos Ótimo conto - parabéns! Bjs
Bom!
joaquim
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