Polyana de Almeida
Trilha centelha
navalha sentidos.
Estraçalhados.
Eu cativa.
Março não chega.
Eu conto um.
Eu conto dois.
Eu conto infinitos,
meses destinos.
Uma lança à espreita enfia,
rasga a carne,
peito arreganhado:
vê como bate,
como deseja
um coração desesperado?
Até março.
Ao mês do impossível se faz a espera,
a espera que diz:
não corra tanto. Que há na correnteza
além do devir?
Por que não fica aí contente com esse nada?
Por que espera que na corrida se desfaça o nada?
Esse nada será um outro nada,
invariavelmente.
Mas conto os grãos da ampulheta,
leves,
eu cardíaca,
escoam serenos,
em tortura.
(escorre sangue dos meus olhos,
retina pétrea,
acorrentados)
Ao mês do impassível se faz a guerra,
a guerra que diz:
não sofra tanto. Que há no sofrimento
além do sentir?
Por que não ultrapassa de vez a trincheira?
Por que não deixa que os tiros abatam logo?
O abatimento se dará em qualquer lado,
invariavelmente.
Luz exígua
instiga futuros.
Mundos.
Eu vida.
Dez de Março...
Eu conto um.
Eu conto dois.
Eu conto vazios
dias vestígios.
Esvaziados,
me esvaindo em pedaços.
E sinto esvoaçar,
sinto fugir a pele,
carne etérea,
não sou nem mesmo mais corpo:
vê como transcendo o tempo,
como me espalho
sobre o tempo,
quando não há mais corpo?
Amanhã menos um.
Depois de amanhã menos dois.
Depois de depois de amanhã, três.
E março.
Mas março não chega.
(Há um ano, uma espera fez-se presente; e hoje, ausente, diz que há mortes que sim, que carregam no bojo o sopro da vida)
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