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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Cena no quarto

Bodegón con botella de Burdeos, Juan Gris


Caio Rudá de Oliveira


Se o rapaz já era dado a exprimir seus pensamentos sem que passassem pela censura, que em algum canto do cérebro habita, antes de chegarem às cordas vocais, língua e músculos da fala os impulsos elétricos, o vinho o faz menos ainda um adepto da repreensão própria, e mais rápido do que do gole ao estômago, chegará a ideia em estado bruto aos ouvidos desta figura feminina que o acompanha. E antes seja que ele lance alguma cantada devassa, uma insinuação vulgar, sendo ainda possível preservar alguma dignidade desta que o acompanha, pois embora não merecedora de cuidados ou requintes no dirigir-se-lhe a palavra, como de habitual a moças distintas, sobra-lhe um mínimo de honra enquanto ser humano, já que na qualidade de mulher, já foi dito, lhe é dispensável. Mas este rapaz já não tem controle de si, do que fala, tampouco de seus reflexos, e se o que ele está próximo de proferir não for demasiado ofensivo a esta que lhe suga o órgão, ainda assim sua noite não será de êxito na cama, já que sabemos que dificilmente lhe escapará fluido do corpo, e em seu lugar, escapará o repugnante resultado da mistura em bucho do que tenha entrado, sabidamente hoje apenas uma lasanha e vinho, vinho, vinho. Boa-sorte, são votos, a esta que continua o ato de felação, mas a baixeza do rapaz não se limita, e dá o indesejado imaginado: um gesto desvairado que derruba a garrafa de um tinto, do criado-mudo à cama, o rouge a tomar lençois e formar uma lenta cachoeira da beirada da cama ao chão. A seguir, interrompe-se tudo bruscamente, também assim o foi o supetão desta a quem é dito que limpe tudo e busque uma garrafa lá mesmo de onde retirara a primeira, que não lamente nem se preocupe do prejuízo, que o vinho é tão barato quanto o é esta que engole lágrimas.

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