Receba Samizdat em seu e-mail

Delivered by FeedBurner

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

We'll always have Paris

Por Barbara Duffles

Cansada depois de um dia de caminhadas sob um sol seco, foi surpreendida pelos australianos, animados como cariocas. Uma volta em Montmartre? Oui, pourquoi pas... Andaram pelas ladeiras de paralelepípedos, comeram crème brûlée no café da Amelie Poulain, fotografaram e filmaram, como bons turistas que eram. Depois de visitarem uma loja de vinhos, cada um saiu com uma garrafa de dois euros na mão. Decidiram beber nas escadarias da Sacre-Coeur, importando-se menos com a arte sacra e mais com a deliciosa sensação de ter Paris aos seus pés. Sentados junto com eles, dezenas de jovens do mundo inteiro conversavam, emanando seus espíritos livres a ponto de dar inveja a Nietzsche. Uma chilena que havia morado em São Paulo. Um cubano tentando ser Che. Italianos, ingleses, americanos, brasileiros, fundindo seus mundos, deglutindo-se uns aos outros, entre goladas de vinho e tragadas entorpecentes.

Foi quando Clive, um simpático gordinho australiano de dentes infantis, aproximou-se e puxou assunto com ela. Começaram falando de vinho, depois de viagens, culturas estrangeiras, pinturas – ele disse que era pintor amador. Sensível e delicado, Clive também escrevia, desenhava e lia, lia muito. Ele falou de Thomas Mann. Ela falou de Gabriel Garcia Márquez e Rubem Fonseca. Trocaram emails, links de blogs. Sentiam-se velhos amigos. Na volta para o albergue, ele a fotografou vendo as estrelas. Sim, ele também fotografava. Dias depois, Clive seguiu para Londres e ela para Veneza. Trocaram alguns emails falando de suas viagens. Ele enviou as fotos do grupo na Torre Eiffel. O último email que ela recebeu dele era enorme, falava de Ingrid Bergman e sua famosa frase em Casablanca: We’ll always have Paris. Por falta de tempo, ela não o respondeu.

Meses depois, recebeu uma mensagem de Andrew, um dos australianos do grupo: Clive havia morrido de pneumonia. Triste, ela chorou toda uma tarde. Resolveu entrar no blog dele, tentando encontrar fotos da Cidade Luz. Seu coração quase parou quando viu, em um dos posts, uma imagem. Era uma pintura dela, sentada na porta do albergue, olhando as estrelas.

-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Chaplins alucinados

Deita-se conformado. Mais uma noite de zumbido o espera, aquele vindo de dentro, ouvido sempre que se sente fora do eixo. Pensa que o barulho vem das traquitanas de seu cérebro, mexendo-se desconexas, como se chaplins escorregassem alucinados por suas engenhocas. Para lubrificar as porcas e parafusos, talvez leite quente dê cabo. Talvez cantar espante o zumzumzum. Pensa em Elvis, “Sweet Caroline”. Depois sussurra “Suspicious Minds”. Mas o Grande Ditador não deixa o Rei tomar conta, e intensifica os zumbidos. Pensa em apelar para comprimidos. Mas é tão medroso que prefere ficar na companhia de seus chaplins esquizofrênicos, desejando que eles sejam tão geniais quanto o bigodudo de bengala. Mas consciente de que são apenas reles peças dos Tempos Modernos.

Share




1 comentários:

"we'll always have Paris" é minha frase favorita, no meu filme predileto... muito bem tomada neste miniconto... gostei muito, bárbara! abço

Postar um comentário