Por Ju Blasina
Noite abafada. Em algum lugar, longe e perto, há um temporal latente: Luz e som sinalizam o confronto de nuvens opostas.
A sala vazia espera em branco. Dedos se movem inquietos — receosos, ansiosos — indecisos. O brilho da tela ilumina a peça.
“Ele deve estar lá, em algum lugar”, pensa ela, sem necessitar palavras. Há muito, dispensou as trocas sociais; opiniões alheias nada lhe dizem que não lhe esmaguem e olhares estranhos só lhe invadem e recriminam. Protegida do mundo em seu lugar seguro — A fantástica interface virtual — a máscara lhe permite pseudocontatos ilimitados; verdade tão contraditória quanto sua existência.
O celular desperta: É chegada a hora! Os dedos, velozes, dançam às cegas nas teclas: nick, senha, clique, espera.
Blondie 34 entra na sala: — Oi, alguém aí?
A sala permanece vazia, exceto por ela. Sente-se sozinha, pensa em partir — a demora lhe ofende! — quando, enfim, ele surge.
Jack entra na sala: — Oi, minha loira, tava só te esperando.
— Ué, saiu da onde? Eu não te vi...
— É que eu tava invisível, risos
— Hm, tem poderes especiais, é?
— Tenho... E nem sabes quantos! (risos) Tava só te esperando. Hoje não tô pra mais ninguém!
— Hm... Só pra mim, é?
— Claro, minha linda, só pra ti, sempre! E então, pensou naquela proposta? Não vejo a hora de te encontrar!
... (silêncio)
— O que foi, loirinha? Ainda com medo?
— Pra falar a verdade, bastante! E ansiedade também.
— Bom, já podes te acalmar: Fiz nossas reservas, para amanhã!
— Como assim... Já?
— Sim, já! A nossa tão esperada noite será “Amanhã ou nunca”, porque daqui a dois dias ela volta, é aí... Sabe-se lá...
— É... Fazer o quê, né?
— Hmmm “Quanta empolgação!”
— Desculpa, não foi a intenção :*
— Sei, sei...
— Eu só fico... Receosa, só isso. E tenho motivos, afinal, ela ainda é a tua mulher, isso é errado!
— Certo ou errado, que diferença faz? Poxa, loirinha, é a nossa oportunidade! Eu já disse que tô louquinho por ti...
— Eu sei, mas isso me incomoda.
— Te incomoda o suficiente para desistir da nossa noite? Parece que já nem queres...
— Quero sim! Cla-ro que eu quero... Quero muito!
— Ah é? Sua safada... Então me diz: o que é que vais vestir pra mim, hein?
— Hm... Pouca coisa. Kkkkk
—Ah... Loirinha, como tu és gostosa!
...
— Loirinha?
...
— Oh Loirinha, cadê tu?
...
— Só um pouquinho. Eu já volto!
— Ué, o que houve?
...
— Voltei! Ouvi um barulho aqui dentro, mas não era nada demais. Continua...
— Ah, agora eu me perdi. Fala tu...
...
— Loirinha? Oh gata, sumiu de novo?
...
— Voltei! Sentiu saudades?
— Sempre... Por que demorou tanto?
— É que aquela vaca resistiu um bocado!
— Vaca? Que vaca?
— Ah, isso sem contar que chegar até aqui foi cansativo... Eu estava longe pra caramba! Sentiu saudades?
— Como assim? Do que tu tá falando??? Não tô entendendo nada!
— Anda logo, querido, RESPONDE!
— Eu... Preciso ir agora.
— Não, não precisa NÃO! Nem ouse me deixar falando sozinha! Sabia que a vaca loira tinha um laptop? Pois, não é que tinha! E sabia que ela era BEM pesada? Garanto que disso tu não sabias. Sinceramente, eu esperava mais dela... E DE TI TB!!!
— Eu não sei o que tá acontecendo contigo... Nem tô te reconhecendo.
— Querido... Que coisa feia! Depois de todos esses anos...
...
— Querido? Ah, que bobinho, tentando ligar pra quem? Pra polícia? Ops* Acabo de esbarrar num fio. Talvez seja o do telefone... Ah... Que desastrada! Não é que derrubei o teu celular da janela? Desculpa... Ha Ha Ha
— Querida, por favor, me diz onde tu estás?
— Ah... Ora, ora. Tô em casa, querido, AONDE MAIS eu deveria estar?
— Que piadinha de mau gosto é essa? Eu nunca tive esposa alguma!!!
— Ah, não? Bem, agora tens! Não é maravilhoso?
...
— QUE MERDA É ESSA? Por que eu não consigo desconectar?
— Por que eu não quero... Porque tu não queres... Porque nós não queremos!
Angry wife entra na sala
Angry wife & Blondie 34 são agora a mesma pessoa
— Mas... Que... LOUCURA é essa?
— Ah... A mesma de sempre, querido! Kkkkkkk
— Isso não faz o menor sentido! Eu não sei que tipo de truque é esse, mas não tem graça!
— Ah não tem graça? Nem percebi... Anda logo, Jack, te junta a nós! Acho que tu és a nossa parte mais teimosa, aquela que ainda acredita na vida real: Bobagem! A realidade é só mais uma sala e nem de longe é a mais divertida. Nós já não precisamos disso. A vida é insignificante diante da grandeza de padrões que podemos representar. A gente não precisa mais fingir... Basta um clique, um último clique e nós seremos um só, para sempre! O despertar é mais simples do que parece. Vem logo, vem...
...
Jack deixou a sala
Angry wife & Blondie 34 deixaram a sala...
Jack, Angry wife & Blondie 34 são agora a mesma pessoa
...
Em algum lugar, longe e perto, a chuva cai em milhares de gotas. Gotas que individualmente pouco representam, mas juntas formam um temporal.
É uma chuva diferente das outras tantas. É a última chuva.
A água invade a sala, molhando a tela.
Na sala em branco, a chuva é vermelha.
Um único corpo jaz, inerte, sobre o teclado gasto. Um corpo sem nome, sem face, exposto às intempéries — a identidade foi há muito perdida. Ninguém sentirá sua falta, ninguém lhe reconhece, pois sequer lhe conheciam. Um corpo qualquer, irrelevante, despersonalizado deste lado da interface.
E a sala, novamente vazia, só espera...
A sala vazia espera em branco. Dedos se movem inquietos — receosos, ansiosos — indecisos. O brilho da tela ilumina a peça.
“Ele deve estar lá, em algum lugar”, pensa ela, sem necessitar palavras. Há muito, dispensou as trocas sociais; opiniões alheias nada lhe dizem que não lhe esmaguem e olhares estranhos só lhe invadem e recriminam. Protegida do mundo em seu lugar seguro — A fantástica interface virtual — a máscara lhe permite pseudocontatos ilimitados; verdade tão contraditória quanto sua existência.
O celular desperta: É chegada a hora! Os dedos, velozes, dançam às cegas nas teclas: nick, senha, clique, espera.
Blondie 34 entra na sala: — Oi, alguém aí?
A sala permanece vazia, exceto por ela. Sente-se sozinha, pensa em partir — a demora lhe ofende! — quando, enfim, ele surge.
Jack entra na sala: — Oi, minha loira, tava só te esperando.
— Ué, saiu da onde? Eu não te vi...
— É que eu tava invisível, risos
— Hm, tem poderes especiais, é?
— Tenho... E nem sabes quantos! (risos) Tava só te esperando. Hoje não tô pra mais ninguém!
— Hm... Só pra mim, é?
— Claro, minha linda, só pra ti, sempre! E então, pensou naquela proposta? Não vejo a hora de te encontrar!
... (silêncio)
— O que foi, loirinha? Ainda com medo?
— Pra falar a verdade, bastante! E ansiedade também.
— Bom, já podes te acalmar: Fiz nossas reservas, para amanhã!
— Como assim... Já?
— Sim, já! A nossa tão esperada noite será “Amanhã ou nunca”, porque daqui a dois dias ela volta, é aí... Sabe-se lá...
— É... Fazer o quê, né?
— Hmmm “Quanta empolgação!”
— Desculpa, não foi a intenção :*
— Sei, sei...
— Eu só fico... Receosa, só isso. E tenho motivos, afinal, ela ainda é a tua mulher, isso é errado!
— Certo ou errado, que diferença faz? Poxa, loirinha, é a nossa oportunidade! Eu já disse que tô louquinho por ti...
— Eu sei, mas isso me incomoda.
— Te incomoda o suficiente para desistir da nossa noite? Parece que já nem queres...
— Quero sim! Cla-ro que eu quero... Quero muito!
— Ah é? Sua safada... Então me diz: o que é que vais vestir pra mim, hein?
— Hm... Pouca coisa. Kkkkk
—Ah... Loirinha, como tu és gostosa!
...
— Loirinha?
...
— Oh Loirinha, cadê tu?
...
— Só um pouquinho. Eu já volto!
— Ué, o que houve?
...
— Voltei! Ouvi um barulho aqui dentro, mas não era nada demais. Continua...
— Ah, agora eu me perdi. Fala tu...
...
— Loirinha? Oh gata, sumiu de novo?
...
— Voltei! Sentiu saudades?
— Sempre... Por que demorou tanto?
— É que aquela vaca resistiu um bocado!
— Vaca? Que vaca?
— Ah, isso sem contar que chegar até aqui foi cansativo... Eu estava longe pra caramba! Sentiu saudades?
— Como assim? Do que tu tá falando??? Não tô entendendo nada!
— Anda logo, querido, RESPONDE!
— Eu... Preciso ir agora.
— Não, não precisa NÃO! Nem ouse me deixar falando sozinha! Sabia que a vaca loira tinha um laptop? Pois, não é que tinha! E sabia que ela era BEM pesada? Garanto que disso tu não sabias. Sinceramente, eu esperava mais dela... E DE TI TB!!!
— Eu não sei o que tá acontecendo contigo... Nem tô te reconhecendo.
— Querido... Que coisa feia! Depois de todos esses anos...
...
— Querido? Ah, que bobinho, tentando ligar pra quem? Pra polícia? Ops* Acabo de esbarrar num fio. Talvez seja o do telefone... Ah... Que desastrada! Não é que derrubei o teu celular da janela? Desculpa... Ha Ha Ha
— Querida, por favor, me diz onde tu estás?
— Ah... Ora, ora. Tô em casa, querido, AONDE MAIS eu deveria estar?
— Que piadinha de mau gosto é essa? Eu nunca tive esposa alguma!!!
— Ah, não? Bem, agora tens! Não é maravilhoso?
...
— QUE MERDA É ESSA? Por que eu não consigo desconectar?
— Por que eu não quero... Porque tu não queres... Porque nós não queremos!
Angry wife entra na sala
Angry wife & Blondie 34 são agora a mesma pessoa
— Mas... Que... LOUCURA é essa?
— Ah... A mesma de sempre, querido! Kkkkkkk
— Isso não faz o menor sentido! Eu não sei que tipo de truque é esse, mas não tem graça!
— Ah não tem graça? Nem percebi... Anda logo, Jack, te junta a nós! Acho que tu és a nossa parte mais teimosa, aquela que ainda acredita na vida real: Bobagem! A realidade é só mais uma sala e nem de longe é a mais divertida. Nós já não precisamos disso. A vida é insignificante diante da grandeza de padrões que podemos representar. A gente não precisa mais fingir... Basta um clique, um último clique e nós seremos um só, para sempre! O despertar é mais simples do que parece. Vem logo, vem...
...
Jack deixou a sala
Angry wife & Blondie 34 deixaram a sala...
Jack, Angry wife & Blondie 34 são agora a mesma pessoa
...
Em algum lugar, longe e perto, a chuva cai em milhares de gotas. Gotas que individualmente pouco representam, mas juntas formam um temporal.
É uma chuva diferente das outras tantas. É a última chuva.
A água invade a sala, molhando a tela.
Na sala em branco, a chuva é vermelha.
Um único corpo jaz, inerte, sobre o teclado gasto. Um corpo sem nome, sem face, exposto às intempéries — a identidade foi há muito perdida. Ninguém sentirá sua falta, ninguém lhe reconhece, pois sequer lhe conheciam. Um corpo qualquer, irrelevante, despersonalizado deste lado da interface.
E a sala, novamente vazia, só espera...
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