Marcia Szajnbok
Vivia um lindo pássaro em confortável gaiola.
Pelas manhãs espalhava no vento canções de paz e alegria.
E assim ia vivendo, a seu modo feliz, em seu lugar, com seu alpiste.
Para além dos limites da gaiola, de nada sabia.
Nem sequer supunha que fora do alcance dos olhos um pouco mais de mundo existia.
Certa vez, com boa intenção, quis alguém mostrar-lhe o horizonte.
Puseram-no junto à janela para que se alegrasse.
O que todos esperavam era que, ali posto, ele ainda mais cantasse.
No entanto, surpresa geral, calou-se o pássaro, tornou-se mudo.
Nem um pio sequer de canto, nem bater de asas, nada.
Não comia, não bebia.
Qual estátua, petrificado, simplesmente olhava.
E quanto mais olhava, menos compreendia.
O que era, afinal, tudo aquilo?
Céu, plantas, montanhas ao longe...
O sol laranja a iluminar auroras...
Luar e estrelas brilhando na noite...
E os pequenos olhos mal piscavam. Olhavam, olhavam, olhavam.
Como se fosse possível pelo olhar absorver a infinitude do mundo.
Como se fosse possível pelo olhar chegar ao fim do espaço que não tinha fim.
E assim ficou, calado, estático, por incontável tempo.
Num final de tarde, de repente, deu-se o suposto milagre.
Ninguém mais se lembrava de como era doce seu canto,
Por isso demoraram a descobrir a origem de tão divina música.
Um de cada vez, em silêncio, pé ante pé, se aproximaram de onde a gaiola estava.
Perplexos confirmaram: era ele mesmo que cantava.
Mas foram apenas os olhos argutos de um menino pequeno
Que naquela cena viram o que ninguém mais viu.
No parapeito da janela, suspensa em puro enlevo, outra ave lá pousara.
Mal se movia, escutava, entendia, a canção mais bela – poesia! –
Que aquele pássaro jamais cantara.
Era uma ave apaixonada.
Não durou muito - uma pena! – aquele idílio de melodia e olhares.
A tarde findava, escurecia, e a visitante voou -
Não sem antes hesitar, como quem fizesse um convite.
Calou-se novamente o cativo.
E foi mais uma vez pelos humanos esquecido.
Mas não por todos, uma exceção:
Na madrugada, o menino que desvendara o mistério foi lhe fazer companhia.
Chegando junto à gaiola viu o que depois contou, mas entre os adultos ninguém acreditou.
O lindo pássaro, mudo, chorava.
Lágrimas silenciosas nos pequenos olhos atentos.
Quem já viu passarinho chorar? Nunca! Imaginação de criança...
Mas o que ficou mal explicado foi o ainda mais estranho fato:
No dia seguinte, gaiola intacta e pássaro ausente.
Como saiu? Ninguém jamais soube...
Todo o cenário intacto...
Seria preciso olhar bem de perto o garoto, e ser muito observador
Para notar-lhe no canto do lábio um sorriso discreto,
A expressão muito viva, o orgulho disfarçado.
Desse dia em diante, quem quer que chegasse à janela
Ouviria, ao sol poente, um canto ao longe, inspirado,
Um dueto de pássaros livres, uma canção de amor.
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