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quarta-feira, 15 de julho de 2009

REVISTA SAMIZDAT entrevista ISIDRO ITURAT





O indriso pode ter variantes, como duplos e triplos? O senhor aceita esta possibilidade de criação?
O único limite no indriso está na associação dos dois tercetos e das duas estrofes de verso único duplicados, pois é isso o que o define. Em relação a outras particularidades textuais (medida nos versos, rima, temática, estilo, associações de vários indrisos, etc.) o autor tem total liberdade criativa.
Sobre as composições formadas com mais de um indriso, posso dizer que eu mesmo venho ensaiando isso desde que comecei a escrevê-los. Até agora, testei associações que vão de 2 até 5 poemas, com diferentes graus de ligação semântica e formal. Cito alguns exemplos próprios: I. [Cada vez de Eco menos queda.], II. [Narciso del lago se enamora:], Zwangsneurose (La obsesión), Algunos descendientes de Caín, Los sentidos corporales.


Apesar da liberdade, concorda que é extremamente difícil compor um indriso com conteúdo e forma em perfeita harmonia?
Realmente, não é fácil compor qualquer poema com conteúdo e forma em perfeita harmonia, mas esse não é pelo menos um dos papéis do poeta?


Atualmente como o senhor vê o crescimento do indriso entre os poetas jovens?
Primeiro, está acontecendo entre eles um jogo de rejeições e atrações. Porém, este jogo é vital porque se o indriso vai oferecer alguma coisa de interessante para a literatura, não pode ser simplesmente aceito de mãos abertas. O indriso tem que ser criticado, tão testado quanto seja possível e, se depois disso representa algo valioso para os outros, aí sim, realmente será pertinente a sua consolidação. Acho que os poetas jovens estão ajudando especialmente nesse processo de “temperado na frágua”, porque naturalmente questionam mais. Mas tenho que dizer que, pelo menos por enquanto, esse jogo está resultando no crescimento do número de autores, coisa que, logicamente, gosto de ver e agradeço.


De onde surgiu o desejo de criar a forma poética dos indrisos?
Na verdade, não houve desejo consciente. O indriso é uma imagem que a minha cabeça criou de forma espontânea. Às vezes, faço o exercício de visualizar a estrutura dos poemas mentalmente. O indriso surgiu em um momento em que meditava sobre o soneto e em um determinado instante, vi as estrofes da figura clássica se condensando desde o padrão 4-4-3-3 para o 3-3-1-1.


Tenho feito algumas leituras teóricas a respeito de poesia. Na maior parte delas, pelo menos das contemporâneas, é dito que a poesia não está na forma, nem há "conteúdos" mais ou menos poéticos, mas que se trata de uma tênue e complexa relação entre as duas coisas. Para você, que pratica-a tanto na teoria quanto na prática, é possível afirmar objetivamente sobre um texto: "aqui há poesia"?
Existem inumeráveis estudos que tentaram definir a poeticidade de um texto desde um ponto de vista objetivo e científico, mas perante cada tese aparece sempre uma antítese que, se não mostra a inviabilidade da primeira, mostra sim um determinado grau de insuficiência. Acho que isso acontece simplesmente porque um objeto como a poesia é uma plasmação artística de tudo aquilo que o ser humano é e capta do mundo. Por isso, tentar percebê-la só através da função intelectual é impossível, porque o ser humano não percebe as coisas apenas através dela. Até onde sei, os especialistas no funcionamento da nossa mente identificam, pelo menos, outras três funções que permitem obter interpretações eficazes sobre a nossa realidade, que seriam a intuição, a emoção e a sensorialidade. Eu penso, intuo, sinto e percebo que quando, além do intelecto usamos estas outras funções, ou inclusive todas elas ao mesmo tempo (a própria poesia estimula fortemente este processo de integração), podemos chegar sim a ter aquela firme e inequívoca percepção de que no texto, que está diante do nosso nariz, há poesia.


Por causa da aparente facilidade - todo mundo crê ser capaz de escrever poemas -, há uma total descrença, do mercado editorial e dos leitores, em relação à poesia e aos poetas. Como você percebe esta situação e o que há para ser feito para modificá-la?
Eu não acho que essa descrença exista porque um grande número de autores não consegue atingir altos padrões artísticos. O fato de existir uma maioria assim e um pequeno número de indivíduos que realmente se destacam acontece em qualquer atividade. Em minha opinião, os motivos da rejeição social à poesia são bem maiores e até mais complexos do que isso. Posso enumerar alguns elementos que tenho percebido e os considero nucleares: a poesia apela a fatos como a expressão do mundo interior das pessoas; pode incentivar o que se chama “processo de individuação” (pelo qual a pessoa passa de ser “massa” a ser “indivíduo diferenciado”); e é intrinsecamente subversiva pelo simples fato de dizer as coisas de outro jeito, além de funcionar à margem da mentalidade mercantil. Tais motivos já são suficientes para que a poesia não seja muito aceita por uma sociedade cuja maioria é educada segundo padrões opostos.
As figuras com maior responsabilidade direta na hora de mudar todo isso seriam os governantes que gerem a educação e as artes, as editoras, os professores e, logicamente, os poetas. Hoje, o conhecimento necessário para fazer um grupo ou sociedade prósperos (ou para afundá-los) já existe. Isso inclui uma tradição literária de milhares de anos que permitiria fazer as melhores obras da história. Para que as coisas melhorassem, apenas seria necessário que cada uma destas figuras quisesse fazer a sua parte.


Desde sua origem, a poesia possui um forte apelo pedagógico: basta nos lembrarmos dos poemas de Homero, Hesíodo, Dante, Shakespeare e Heine, por exemplo. Qual é a função da poesia no século XXI, na sua opinião? Este propósito educacional ainda está presente, ou ainda possui razão de ser?
Como já mencionei anteriormente, para mim a função mais importante da poesia consiste em que ela expresse com a sua linguagem particular tudo aquilo que o ser humano é. Isso inclui, é claro, a função de educar, que é uma necessidade insubstituível. Falando especificamente do século XXI, penso que pode influir muito sobre as funções da poesia o fato de que - isto é uma opinião muito pessoal – provavelmente em toda a história da humanidade o ser humano nunca esteve tão perdido, ferido e narcotizado em relação ao seu caminho vital. A maneira mais simples de comprovar isto é olhar uma enciclopédia ilustrada de arte. Qualquer pessoa (que queira ver) vai perceber imediatamente que os artistas nunca expressaram um grau de desintegração mental e espiritual tão intenso, em época nem cultura alguma.
Pelo menos por agora, sinto que a principal causa disso é o fato de que o nosso medo está tomando a forma de mentira de uma maneira especialmente intensa em relação às coisas essenciais: o alimento apresenta-se como veneno, a narcose como lucidez, a escravidão como liberdade, a ignorância como conhecimento, as relações egoístas como modelos de amor, Deus é apresentado como diabo, os diabos como Deuses... E muitos de nós não queremos nem ver quando, pelo menos uma vez na vida, as coisas aparecem na nossa frente como realmente são.
Não sei se encarar hoje esta situação já é ou será uma função importante da poesia, mas acho que não estaria nada mal que assim fosse.

O que representa a Internet para o seu ofício literário? Em que ponto ela presta um favor aos novos escritores? Em que ponto ela os atrapalha?
Bom, através da Internet tenho acesso a leituras às quais seria quase impossível acessar desde um país com uma língua diferente da minha; atualmente, o que eu escrevo depende por inteiro da rede para ser divulgado; e o computador é o único instrumento que me comunica com outros autores e leitores. Veja quanta liberdade e quanta dependência ao mesmo tempo!...
Para citar mais alguns “favores”, lembrarei que ela permite aquela independência em relação às editoras tradicionais e aos júris, quem em muitos casos até agora publicaram e premiaram o que eles queriam que o leitor considerasse literatura de prestígio. Também permite divulgação massiva e instantânea, além de uma fácil atualização das informações.
Quanto ao que pode atrapalhar, penso em assuntos como a volatilidade dos dados (eles são apenas pulsos elétricos), a pressa do leitor, que perante a enorme oferta acessível em segundos tende a não ficar muito tempo em um mesmo lugar, ou o que as pessoas podem fazer com as informações, pois o conjunto daquilo que você coloca na Internet é de fácil acesso a simpatizantes ou não, pessoas próximas e alheias, individuais ou ligadas a órgãos públicos e privados, sendo também extremamente manipulável.

Geralmente, os poetas possuem temas recorrentes, que perpassam a totalidade de suas obras e pelos quais eles podem ser reconhecidos. Ao analisar sua própria obra, você identifica quais são seus temas recorrentes?
Na verdade, não sei se a minha obra poderia ser reconhecida simplesmente por isso, porque realmente os que aparecem nela são dos mais comuns na literatura. Em primeiro lugar, direi que eu gosto de visualizar o conjunto da minha obra como uma roda em movimento. O eixo dela seria a noção de Eros no seu sentido integral de “instinto de vida”. A partir deste eixo, se projetariam uma série de rádios entre os quais considero de maior significação, e por isso mais recorrentes: a definição dos diferentes arquétipos do homem e da mulher; a relação entre eles nos aspectos erótico, sentimental e espiritual; as reflexões sobre o caminho vital humano e as relações de tudo isso com a divinidade.


Quais são os poetas consagrados que você lê? E quais são os novos poetas que você lê?
Os poetas consagrados que me marcaram mais e que leio recorrentemente são dois: o nicaraguense Rubén Darío, do século XX e o espanhol do século XVII don Luis de Góngora.
Quanto aos poetas novos, também procuro acompanhar as últimas fornadas de autores com a esperança de que algum deles consiga atrair minha fidelidade como leitor, mas infelizmente hoje não acontece isso com ninguém. Sei que este fato pode provir de um gosto pessoal restringido demais, ou de uma simples falta de pesquisa, não sei. Mas é o que acontece atualmente comigo.


Além do indriso, a que projetos você têm se dedicado, no campo da poesia?
Antes do indriso passei pelo que poderíamos definir como duas etapas poéticas. Na primeira, produzi uma série de poemas em verso livre de tom predominantemente niilista, depois veio uma segunda, na qual já comecei a experimentar com a métrica regular e com os poemas amorosos. Mas joguei fora quase tudo. A poesia que eu quero mostrar começa com o indriso e é o único projeto com o qual trabalho hoje, não porque me sinta obrigado, mas, simplesmente, porque é o que pede a minha voz poética.


Como é a receptividade da literatura brasileira na Espanha?
Na Espanha a literatura brasileira é praticamente desconhecida. É muito difícil encontrar livros brasileiros nas prateleiras das livrarias espanholas. Esse fato é verdadeiramente lamentável, porque considero que a literatura brasileira tem uma grande riqueza e singularidade. Na Europa a presença do Brasil é bem mais mais forte na França.
Vale a pena mencionar alguns nomes evidentes que podem ser encontrados: Vinicius de Moraes, Jorge Amado, Machado de Assis...


Quando você teve contato com a nossa literatura?
A partir de 2004, quando já estava preparando a minha viagem para o Brasil, que se concretizou em 2005. Juntamente com o estudo da língua portuguesa, comecei a procurar nomes de autores brasileiros consagrados e a tentar ler alguns deles. As primeiras obras da literatura brasileira que li, foram os contos de Machado de Assis e uma pequena antologia de poetas que achei na biblioteca da Casa do Brasil, em Madri.


Entre os brasileiros, que poetas você aprecia?
Bom, em relação à poesia brasileira estou apenas começando a ler. Até agora captaram mais a minha atenção os gratamente inevitáveis Carlos Drummond de Andrade, Castro Alves e Vinicius de Morais.
Com Vinicius tenho um vínculo afetivo mais forte porque foi meu “mestre de português”. Na Espanha, para fixar a prosódia (e porque sentia um enorme prazer com a vibração daqueles versos na boca e no ouvido) eu recitava incessantemente o Soneto de fidelidade.


Tem acontecido alguns episódios bem desagradáveis nos aeroportos, envolvendo brasileiros que viajam para a Espanha. A que você atribui esse mal-estar?
Não tenho nenhum conhecimento especializado em relação às questões políticas e minha opinião não deve ter mais valor do que a de qualquer outro cidadão comum. Pelo que vi até agora, duvido que a opinião pública (seja brasileira ou espanhola) chegue a conhecer o verdadeiro motivo destas ações nos aeroportos da Espanha. Se os funcionários envolvidos, por exemplo, não forem claros e corretos na aplicação das normas, isso significa que existem outros motivos além dos que aparecem na mídia, motivos que só conhecem as autoridades que dão as ordens. Por isso, seja como cidadão espanhol ou como cidadão brasileiro, só me resta ver essa situação com muito pesar.


Seu site mostra que, além de poesias, você também tem alguns artigos e ensaios escritos. Dentro dessas experiências, o que te traz maior retorno: a prosa ou a poesia?
Basicamente, vejo a relação entre a minha poesia e o meu ensaio como a que poderia existir entre uma irmã mais velha com o irmão menor. Cada um deles tem o seu próprio tamanho (a poesia é bem maior), mas trata-se de uma relação amorosa na qual um incentiva o outro. Por exemplo, a minha poesia não apresentaria a mesma diversidade de matizes se não fosse pelo estudo, a meditação e o trabalho de ordenação mental que exige o ensaio; no entanto, ele permite tratar de assuntos literários além do verso que me interessam. Também acontece que a afetividade e recursos que a poesia mobiliza, permite que o ensaio fique mais rico em detalhes expressivos, ritmo e emocionalidade.




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Para mais informações sobre Isidro Iturat e sobre o indriso, leia:


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Coordenação da Entrevista: Volmar Camargo Junior
Perguntas elaboradas por: Carlos Barros, Giselle Sato, Henry Alfred Bugalho e Volmar Camargo Junior.

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