Pouco racistas

Joaquim Bispo

A capacidade de miscigenação dos Portugueses foi talvez o grande trunfo para terem conseguido manter possessões coloniais no séc. XVII, atacadas por Holandeses, Ingleses e Franceses. Ao contrário dos Holandeses, por exemplo, que eram de “má boca” e por isso tinham de mandar vir da Europa quase todos os mantimentos, nos 24 anos que permaneceram em Pernambuco, os Portugueses adaptaram-se bem, quer climática, quer gastronómica, quer sexualmente.

São famosos os casos de João Ramalho e António Rodrigues que “foram os pioneiros da miscigenação no planalto de Piratininga (S. Paulo). O primeiro casou com Bartira, filha do morubixaba Tibiriçá e o segundo com uma filha do chefe Piquerobi. Estas ligações entre portugueses e índias encontram-se na origem de alguns dos mais importantes troncos paulistas.”

“Outro exemplo paradigmático é fornecido por Diogo Álvares, o Caramuru, que teve uma larga prole da sua relação com a índia Paraguaçu – que, após o baptismo, se passou a chamar Catarina Álvares – tendo todas as suas filhas casado com europeus de posição, enquanto três dos seus filhos foram armados cavaleiros pelo 1º governador-geral do Brasil. As primeiras famílias baianas resultam, tal como as paulistas, da miscigenação entre portugueses e índias.”

“Na capitania de Pernambuco, o exemplo foi dado por Jerónimo de Albuquerque, que se relacionou com a filha do chefe Arcoverde, bem como com outras indígenas de quem teve 24 filhos, facto que lhe valeu o epíteto de Adão Pernambucano.”

A miscigenação tinha a vantagem de assegurar imunidade genética aos descendentes das índias, face a diversas enfermidades e epidemias.

Depois destes cruzamentos de primeira geração, onde entravam Brancos europeus colonizadores, Índios autóctones e, a partir de meados do séc. XVI, Negros africanos, chegados como escravos, muitos outros de segunda e terceira se seguiram, criando uma enorme multiplicidade racial. No séc. XVII, para tentar distinguir as várias variedades que foram brotando de todos aqueles cruzamentos, usavam-se – para os nascidos no Brasil – as seguintes designações:

Branco + Branca = Mazombo
Branco + Índia = Mameluco
Branco + Negra = Mulato
Branco + Mulata = Pardo
Negro + Negra = Crioulo
Negro + Mulata = Cabra
Negro + Índia = Cafuso
Índio + Mameluca = Curiboca

Esta miscigenação em larga escala criou extensas e complexas redes familiares, com o seu cortejo de costumes, crenças e língua, o que formava uma barreira dificilmente quebrável pelo invasor, e terá sido um dos principais factores que travaram as tentativas de instalação de Holandeses e outros.
As forças militares do conglomerado pró português que combateram nas duas batalhas de Guararapes (1648, 1649) integravam muitos autóctones, de todos os estratos e matizes, alguns dos quais em posição de liderança de blocos combatentes. Os quatro comandantes militares exaltados pela História foram:

“João Fernandes Vieira – senhor de engenho de origem portuguesa;

André Vidal de Negreiros – brasileiro de origem portuguesa (mazombo) – mobilizou recursos e gentes do sertão nordestino;

Felipe Camarão – indígena brasileiro da tribo potiguar – liderou as forças da sua tribo;

Henrique Dias – brasileiro filho de escravos africanos libertos – foi o ‘governador da gente preta’ (negros, crioulos e mulatos), oriunda dos engenhos assolados pelo conflito.”

O empenhamento coordenado de todo este heterogéneo conjunto foi decisivo na derrota e subsequente expulsão, como corpo estranho, das forças holandesas e determinou aspectos importantes do viver brasileiro futuro.


Nota: O post onde, pela primeira vez, publiquei o essencial desta informação é um dos mais visitados do meu blog, o que denuncia o grande interesse que a sociedade brasileira tem por este aspecto da sua identidade.

Fontes principais: http://www.republica.pt/jornal2.htm
http://pt.wikipedia.org/wiki/Batalha_dos_Guararapes

Comentários

  1. Muito interessante mesmo, Joaquim, pois apesar de ter aprendido os nomes de algumas destas miscigenações na escola, havia algumas que nunca tinha ouvido antes, ou que havia mas não sabia a que se referia.

    Legal.

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  2. O brasileiro é fruto de uma salada genética. Este, que vos fala, é um exemplo:

    Bisavó alemã (polonesa, na verdade) e um bisavô mulato = minha avó parda, que nasceu branca, mas tem um filho de cada cor, com meu avô, também pardo.

    Bisavó paterna cigana e bisavô filho de brancos e descendentes de índios = minha avó mameluca, casada com meu avô branco, mas de ascendência incerta.

    Meus pais são ambos brancos, mas tenho tios e tias, paternos e maternos, com todo o espectro de genótipos brasileiros: de mulatos bem côr-de-cuia até louros.

    E não faço idéia, dentro da classificação do século XVII, de que mistura eu sou: ou seja, legitimamente brasileiro.

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  3. Na verdade, todos somos multi-étnicos. Na Península Ibérica, além das invasões celtas, visigóticas, e outras “bárbaras” (os Alanos eram do planalto iraniano), enquanto os muçulmanos dominaram parte do território, traziam guarnições militares dos inúmeros espaços do Califado – Síria, Mesopotâmia, Egipto, Magreb, etc. – para administrar e controlar cada cidade e respectivo espaço rural. Muitas das origens dessas guarnições estão documentadas. Aliás foram essas diferentes origens, às vezes conflituantes, que esfrangalharam o Califado de Córdoba em inúmeros pequenos reinos – as taifas – que mais facilmente puderam ser manipulados pelos reinos cristãos.

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