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sábado, 4 de abril de 2009

Ficções, de Jorge Luis Borges

Há alguns livros aos quais sempre retornamos - em busca de inspiração, deslumbramento, consolo, desconforto.
Eu poderia citar alguns dos que fazem parte da minha história, como leitor e escritor: há "Ulisses" de James Joyce, "Metamorfose" de Kafka, "Livro do Desassossego" de Fernando Pessoa.

Estes são livros que, ao mesmo tempo que me servem de inspiração, também significam alguns abismos literários, uma espécie de Olimpo inatingível, algo para invejar e adorar.

Poucos autores influenciaram tanto o século XX quanto Jorge Luis Borges, e meu interesse pela obra dele surgiu, provavelmente, duma das inúmeras referências que fazem a ele: de Foucault a Paulo Coelho, todo o mundo cita ou se remete a Borges quando deseja expressar o espírito da contemporaneidade ou para conclamar ares de intelectual.

Borges é uma autoridade, não apenas em Literatura; a opinião de Borges encerra qualquer debate; Borges alçou ao estatuto de Homero do século XX, no panteão dos grandes autores.
No entanto, o brasileiro quase não conhece Borges. Na verdade, o brasileiro quase não conhece a literatura latino-americana. Nossos hermanos, do outro lado das fronteiras, estão perto e distantes, ao mesmo tempo. Excetuando García Márquez e seu "Cem Anos de Solidão", de todos os ilustres autores de língua espanhola da América Latina só se conhece os nomes: Vargas Llosa, Carlos Fuentes, Manuel Puig, Neruda, e Borges, e Borges...

Jorge Luis Borges é mais conhecido e reverenciado na Itália, por exemplo, do que no Brasil. Autores como Umberto Eco e Italo Calvino buscaram inspiração na obra deste autor argentino. E este é um fato que não surpreende. Numa época em que a Europa questionava muitos de seus valores seculares, época da revolução sexual, do estruturalismo, do maio de 68, os europeus estavam mais próximos da mensagem borgiana do que os brasileiros, oprimidos pela ditadura e que se debruçavam sobre problemas como censura, perseguição política e desigualdades sociais. O universalismo do Borges ia na contramão do que ocorria no Brasil.

E foi logo na primeira leitura que a obra de Borges se tornou, para mim, um destes abismos literários. Especialmente o livro de contos "Ficções", que traz algumas das grandes obras-primas do autor.

Há dois grandes temas recorrentes em "Ficções": o tempo e a imortalidade. Os personagens, muitas vezes eles próprios escritores e, por vezes, livros, enfrentam o tempo e almejam a eternidade. Este é o caso dos contos "Tlön, Uqbar, Orbis Tertius", "Pierre Menard, autor do Quixote", "Exame da obra de Herbert Quain", "A Biblioteca de Babel", "O Jardim dos caminhos que se bifurcam", "Funes, O Memorioso" e "O Milagre Secreto". A passagem do tempo é o inimigo a ser driblado, a morte é o fim de todos os projetos, mas é na eternidade que a verdadeira obra se realiza e continua sendo escrita.

A crítica a Borges o acusa de alienado, de fugir dos temas tradicionais da Argentina, como os homens dos pampas, e de ser literariamente reacionário. No entanto, poucos autores contemporâneos foram tão inovadores quanto Borges, que se dedicou a um gênero considerado menor, evitando obras longas, ao mesmo tempo que foi a fonte inspiradora de inúmeros romances.

Borges é um abismo, e quem apreende seu universo se embrenha em labirintos sem fim, assim como seus personagens, e deles nunca mais se liberta.

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3 comentários:

Conheci Borges recentemente. E, assim como você, Henry, fui meio que arrebatado.

A obra que li dele foi esta mesma, "Ficções". Fiquei maravilhado com o que se pode fazer numa narrativa. Não é à toa todas influências que a obra de Borges determinou. Eu mesmo já escrevi alguns contos tendo-o como grande referência.

Preciso ler mais escritos dele, mas, só o Ficções já foi o suficiente para reverenciá-lo. A mim, "Ficções" virou o que costumam chamar de "obra de cabeceira".

Ótima indicação!

A primeira vez que o li, Carlos, foi na coleção de obras completas do Globo. Li do primeiro ao quarto volume duma vez só, de tão fascinado que fiquei.
Muita gente prefere "O Aleph", mas eu ainda acho "Ficções" o melhor dos livros dele.
Outro autor que acho que você gostaria é Bioy Casares. "A Invenção de Morel" é muito, mas muito bom mesmo!

Valeu pela sugestão, Henry! Vou ver se consigo algo do Casares também para ler, junto com algo do Cortázar, que também estou precisando conhecer.

Abraço!

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