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terça-feira, 24 de março de 2009

O Admirador - Parte 1: As coroas

(Maristela Scheuer Deves)

Os relâmpagos rasgavam o céu e iluminavam o quarto, apesar das janelas e dos olhos fechados. Os trovões, ecoando ao longe, pareciam chegar cada vez mais perto, enquanto a chuva desabava com força sobre o telhado. Encolhida sob as cobertas, pensou em quando costumava, em noites assim, arrastar o colchão para o quarto dos pais. O pai fazia troça, mas ela se sentia protegida. Agora os pais estavam a centenas de quilômetros de distância, e ela, sozinha no apartamento enorme. E com medo, mais uma vez.

O estrondo de um novo trovão sobressaltou-a e a fez pensar nos ramos bentos que a mãe queimava para acalmar tempestades. Chegou a afastar as cobertas para o lado na intenção de procurar aquele maço de galhos de oliveira, mas, suspirando, abandonou a idéia. Seu medo atual, ela se forçou a admitir, não era causado pelas forças da natureza. Na semi-obscuridade do quarto, lançou um olhar para o fone fora do gancho. O celular, ao lado, também estava desligado havia dias.Se a mãe tentara contatá-la, devia estar preocupada, pensou, fazendo uma anotação mental para ligar-lhe no dia seguinte.

Diria que os telefones estavam com defeito, mas era mentira. A verdade, nua e crua, é que seus nervos não agüentavam mais.Três meses! Ou seriam quatro, já? Não podia entender, agora, como de início achara graça naquilo. Repassou em pensamento a primeira vez que a campainha tocara, o entregador com uma braçada de rosas vermelhas. No cartão, no lugar da esperada assinatura do namorado, apenas um "você ainda vai ser minha" rabiscado em letras maiúsculas. Divertida com a idéia de um admirador secreto, colocara as flores em um vaso, na sala.

Ainda podia sentir o cheiro delas. Não apenas daquelas rosas, mas de todas as outras que vieram depois. E, também, das coroas – as coroas fúnebres que passaram a chegar ao mesmo tempo em que as ligações em que ninguém dizia nada. Arrepiou-se só de lembrar o telefone tocando de madrugada, e ficando mudo quando atendia. Quando aquelas macabras coroas começaram a ser entregues, uma após a outra, dia após dia, com o seu nome gravado, achou que iria enlouquecer. Quem, em nome de Deus, estaria fazendo aquilo? E por quê?

Em princípio tentara considerar tudo como uma brincadeira de mau gosto, mas não dava mais. Contara 47 coroas entregues em seu apartamento nos últimos meses. E, faziam duas semanas, elas passaram a ser entregues também no seu local de trabalho.

(continua no mês que vem...)

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Maristela Scheuer Deves
Jornalista por formação e escritora por vocação. Atua como editora assistente de Variedades no jornal Pioneiro, de Caxias do Sul/RS, em cujo site também mantém o blog Palavra Escrita, voltado ao mundo dos livros. Escreve desde que consegue se lembrar, e atualmente prepara para publicação seu terceiro livro, o infantil "Os Deliciosos Biscoitos de Oma Guerta", contemplado pelo Financiarte. De sua autoria, já estão nas livrarias o romance policial "A Culpa é dos Teus Pais" e o infanto-juvenil "O Caso do Buraco".
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