Volmar Camargo Junior
O que brota da terra
dois besouros desses que brotam da terra
um casal ou
pai e filho ou
rivais por uma oportunidade rara
de permanência no mundo
entre tantos insetos
giram no ar
uma dança ou
enlace ou
alguma forma de comunicação
sem ruído
unidos no ar
contornam as linhas
de um desenho irreproduzível
uma vez separados
tornam a se enfiar na terra
escondem-se daquelas linhas invisíveis
e de uns olhos curiosos
se sob a silenciosa inércia da terra
lutaram até a morte ou
permaneceram separados ou
tornaram a se encontrar
- e unidos permitiram
a permanência no mundo
entre tantos insetos –
eu nunca soube, nunca
voltei a ver besouros sobre a superfície
o desenho e as linhas traçadas
ficaram plantados nalgum canteiro da memória
e por mais atenção que lhes dedique
deles jamais brotou sequer um rascunho
ironia
i.
que esperar de um mundo
de casca lisa, dura e seca
e miolo quente e macio
senão a ironia besta
de vê-lo como um ovo cozido
oval forma de planeta
ii.
na secura lisa da casca
encontrei um oco escondido
em velha pedra esquecida
a tal que o operário erudito
ignorou por ser um esteta
e o mais que aqui não repito
iii.
o oco da pedra era o ninho
duma ave cuja exótica dieta
era de pátrias, homens e livros
o que achei até hoje me espanta
e hoje ainda me assombro sozinho
um arrepio de medo ainda agora
iv.
eram ovos, uns tantos ovinhos
de casca lisa, dura e seca
e miolo quente e macio
que ironia, se essa ave choca
e assim do ovo nasce um bicho
e o bicho abre o bico e grita
v.
as cascas do ovo virariam comida
o ninho da ave viraria comida
o oco da pedra viraria comida
pátrias, homens, livros
a própria mãe do passarinho
e eu mesmo, se não sair correndo
vi.
e se ele devorar a si próprio
que ironia, meu Deus, que ironia
mesmo o nada seria devorado
melhor continuar com a ironia besta
pensar o mundo como um ovo cozido
ainda que ridícula, oval forma de planeta
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