Tradução: Henry Alfred Bugalho
Certa vez, George foi a um bar sueco que gostava e se sentou a uma mesa para desfrutar duma noite ociosa. Na mesa ao lado, ele notou um belo e elegante casal, o homem educado e bem vestido, a mulher toda de preto, com um véu sobre a face resplandecente e brilhantes jóias coloridas. Ambos sorriram para ele. Eles não diziam nada um ao outro, como se fossem velhos conhecidos e não precisassem conversar.
Todos os três observavam a atividade do bar — casais bebendo juntos, uma mulher bebendo sozinha, um homem a procura de aventuras — e todos eles pareciam estar pensando as mesmas coisas.
Enfim, o homem bem vestido iniciou um diálogo com George, que agora teve a oportunidade para observar melhor a mulher e a achou ainda mais bela. Mas justamente quando ele esperava que ela participasse da conversa, ela disse algumas poucas palavras a seu companheiro que George não pode captar, sorriu e se foi. George quedou-se desanimado. Seu prazer naquela noite havia partido. Além disto, ele tinha apenas alguns poucos dólares para gastar e não podia convidar o homem para beber consigo e talvez descobrir um pouco mais sobre a mulher. Para sua surpresa, foi o homem quem se virou para ele e disse:
— Se importaria em tomar um drinque comigo?
George aceitou. A conversa seguiu de experiências com hotéis no sul da França para a confissão de George de que ele estava curto de grana. A resposta do homem sugeriu que era extremamente fácil de se conseguir dinheiro. Ele não prosseguiu em dizer como. Forçou George a confessar um pouco mais.
George tinha uma fraqueza comum a muitos homens; quando estava com humor expansivo, adorava contar seus feitos. Ele o fez numa linguagem envolvente. Insinuou que assim que punha o pé na rua, alguma aventura se lhe apresentava, que nunca lhe faltava uma noite interessante, ou uma mulher interessante.
Seu companheiro sorria e ouvia.
Quando George terminou de falar, o homem disse:
— Era isto que eu imaginava, no momento em que o vi. Você é o sujeito a quem procuro. Estou diante dum problema imensamente delicado. Algo absolutamente único. Não sei se você já teve muitas relações com mulheres difíceis, neuróticas — Não? Percebo-o por suas histórias. Bem, eu tenho. Talvez eu as atraia. Neste momento, estou na mais intricada das situações. Mal sei como sair dela. Preciso de sua ajuda. Você diz precisar de dinheiro. Bem, eu posso sugerir uma maneira razoavelmente agradável para consegui-lo. Ouça com atenção. Há uma mulher que é rica e absolutamente linda — na verdade, irretocável. Ela poderia ser amada com devoção por qualquer um que ela quisesse, poderia se casar com qualquer que quisesse. Mas por algum perverso acidente de sua natureza — ela gosta apenas do desconhecido.
— Mas todo mundo gosta do desconhecido — George disse, imediatamente pensando em viagens, encontros inesperados, novas situações.
— Não, não do jeito dela. Ela se interessa apenas por um homem que ela nunca tenha visto antes e que nunca verá novamente. E, por este homem, ela fará qualquer coisa.
George consumia-se para perguntar se a mulher era aquela que estava sentada à mesa com eles, mas não ousou. O homem parecia estar um tanto infeliz, e ainda assim impelido a contar esta história. Ele prosseguiu:
— Eu tenho de cuidar da felicidade desta mulher. Eu faria qualquer coisa por ela. Devotei minha vida a satisfazer-lhe os caprichos.
— Compreendo — George disse — eu me sentiria do mesmo modo em relação a ela.
— Agora, — disse o elegante desconhecido — se você quiser vir comigo, poderá talvez resolver suas dificuldades financeiras por uma semana e, incidentalmente, seu desejo por aventura.
George corou de prazer. Deixaram o bar juntos. O homem chamou um táxi. No táxi, deu a George cinquenta dólares. Então disse que seria obrigado a vendá-lo, porque George não deveria ver a casa para onde iria, nem a rua, pois nunca repetiria esta experiência.
George estava num turbilhão de curiosidade agora, com visões da mulher que vira no bar assombrando-o, vendo a cada momento a boca reluzente e os olhos flamejantes dela por detrás do véu. O que ele havia gostado, particularmente, era o cabelo dela. Gostou de cabelo espesso a cair-lhe pelo rosto, um fardo gracioso, cheiroso e rico. Era uma de suas paixões.
A corrida não foi muito longa. Ele se submeteu amistosamente a todo o mistério. A venda foi retirada de seus olhos antes de ele deixar o táxi, para que não atraísse atenção do taxista ou do porteiro, mas o desconhecido contava, sabiamente, que o brilho das luzes da entrada cegariam George completamente. Ele não conseguia enxergar nada a não ser luzes brilhantes e espelhos.
Foi conduzido a um dos interiores mais suntuosos que jamais vira — todo branco e espelhado, com plantas exóticas, mobília extravagante coberta em damasco e um tapete tão fofo que seus passos não podiam ser ouvidos. Ele foi dirigido por uma sala atrás da outra, cada uma em diferentes nuances, todas espelhadas, que perdeu toda a noção de perspectiva. Por fim, chegaram à última. Ele se engasgou de leve.
Estava num quarto com uma cama canopeada posta sobre um tablado. Havia peles no chão e brancas cortinas vaporosas nas janelas, e espelhos, mais espelhos. Ele estava contente por poder suportar estas repetições de si, reproduções infinitas dum belo homem, para quem o mistério da situação havia dado um brilho de expectativa e prontidão que ele nunca conhecera. O que isto poderia significar? Não tinha tempo para se indagar.
A mulher com que ele havia estado no bar adentrou o quarto, e assim que ela entrou, o homem que o trouxera desapareceu.
Ela havia trocado de vestido. Vestia um estonteante vestido de cetim que deixava seus ombros desnudos e que era suspenso por uma alça. George teve a impressão de que o vestido cairia com um único gesto, descobrindo-a como uma cintilante bainha, e que por debaixo apareceria sua pele reluzente, que brilharia como cetim e que seria igualmente suave para os dedos.
Ele havia dito para si em silêncio. Ainda não conseguia acreditar que esta linda mulher se oferecia para ele, um total desconhecido.
Envergonhou-se também. O que ela esperava dele? Qual era sua busca? Tinha ela algum desejo irrealizado?
Ele tinha apenas uma única noite para dar todos seus dons de amante. Nunca mais a veria novamente. Poderia ser ele aquele a descobrir o segredo da natureza dela e possuí-la mais de uma vez? Ele imaginava quantos outros homens haviam vindo a este quarto.
Ela era extraordinariamente amável, com um toque de cetim e veludo. Seus olhos era negros e úmidos, sua boca fulgurava, sua pele refletia a luz. Seu corpo era perfeitamente harmonioso. Ela tinha as linhas incisivas duma mulher singela unidas a uma provocativa maturidade.
Sua cintura era delgada, que proporciona a seus seios uma proeminência ainda maior. Suas costas eram como de uma dançarina, e cada contorno intensificava a riqueza de seus quadris. Ela sorriu para ele. Sua boca era macia, carnuda e estava entreaberta. George se aproximou e pousou a boca nos ombros nus dela. Nada poderia ser mais macio que sua pele. Que tentação a de puxar o frágil vestido de seus ombros e expor os seios que distendiam o cetim. Que tentação despi-la imediatamente.
Mas George sentia que esta mulher não poderia ser tratada tão sumariamente, que ela requeria sutileza e engenho. Nunca ele havia dado a cada um de seus gestos tanta consideração e arte. Parecia determinado a empreender um longo cerco, e como ela não havia dado sinal de pressa, ele se demorou sobre os ombros nus, inalando a tênue e maravilhoso olor que vinha do corpo dela.
Poderia tê-la tomado ali mesmo, de tão potente que era o encantamento que ela lançava, mas antes ele queria que ela fizesse um sinal, queria que ela estivesse excitada, e não tenra e maleável como cera em seus dedos.
Ela aparentava uma incrível frieza, obediente, mas sem sentimento. Nenhum arrepio em sua pele, e apesar de sua boca estar entreaberta para beijar, ela não correspondia.
Permaneceram lá, perto da cama, sem falar. Ele deslizou suas mãos por sobre as curvas acetinadas do corpo dela, como se para se familiarizar com elas. Ela permanecia imóvel. Ele lentamente se pôs de joelhos, enquanto beijava e acariciava o corpo dela. Seus dedos sentiram que, sob o vestido, ela estava nua. Ele a conduziu até a beirada da cama e ela se sentou. Ele retirou os chinelos dela. Susteve os pés dela em suas mãos.
Ela sorriu para ele, gentil e convidativamente. Ele beijou-lhe os pés, e suas mãos correram por sob as dobras do vestido longo, sentindo as pernas suaves até as coxas.
Ela abandonou os pés às mãos dele, mantendo-os pressionados contra seu peito, enquanto as mãos dele corriam para cima e para baixo por debaixo do vestido. Se a pele dela era tão macia na extensão das pernas, como seria então perto de seu sexo, ali onde é sempre a mais macia? As coxas dela se uniram, pressionadas, de modo que ele não pudesse continuar a exploração. Ele se levantou e debruçou-se sobre ela para beijá-la numa posição reclinada. Enquanto ela se deitava, as pernas se abriram ligeiramente.
Ele movimentou as mãos por todo o corpo dela, como se para excitar cada parte dela com seu toque, acariciando-a novamente dos ombros aos pés, antes de tentar deslizar sua mão entre as pernas, mais abertas agora, de modo que ele quase pode alcançar o sexo dela.
Com seus beijos, os cabelos dela se tornaram revoltos e o vestido caiu de seus ombros e descobriram parcialmente seus seios. Ele retirou todo o vestido com a boca, revelando os seios aos quais ele ansiava, tentadores, intumescidos e da mais delicada pele, com os mamilos rosados tais quais duma jovem.
A submissão dela quase o fez querer machucá-la, para estimulá-la de algum jeito. As carícias o estimulavam, mas não a ela. O sexo dela era cálido e macio para seu dedo, obediente, mas sem vibrações.
George começou a pensar que o mistério da mulher jazia em ela não ser capaz de se excitar. Mas isto não era possível. Seu corpo prometia tanta sensualidade. A pele era tão sensível, a boca tão carnuda. Era impossível que ela não sentisse. Agora ele a acariciava continuamente, oniricamente, como se não tivesse pressa, aguardando que a chama a incendiasse.
Havia espelhos todo ao redor deles, repetindo a imagem da mulher deitada ali, os seios para fora do vestido, seus belos pés nus pendendo para fora da cama, as pernas ligeiramente apartadas sob o vestido.
Ele precisava rasgar o vestido completamente, deitar-se na cama com ela, sentindo todo o corpo dela contra o seu. Começou a puxar o vestido para baixo e ela o ajudou. Seu corpo emergiu como o de Vênus surgindo do mar. Ele a ergueu, para que ela se deitasse totalmente na cama, e sua boca nunca cessava de beijar cada parte do corpo dela.
Então, algo estranho aconteceu. Quando ele se inclinou para deliciar seus olhos com a beleza do sexo dela, roseado, ela teve um calafrio, e George quase gritou de alegria.
Ela murmurou:
— Tire suas roupas.
Ele se despiu. Nu, ele conhecia seu poder. Ele ficava mais à vontade nu do que vestido, porque ele havia sido um atleta, um nadador, um andarilho, um escalador de montanhas. E ele sabia então que isto poderia agradá-la.
Ela olhou para ele.
Estaria ela satisfeita? Quando ele se inclinou sobre ela, estava ela mais receptiva? Ele não conseguia determinar. A estas horas, ele a desejava tanto que não conseguia esperar para tocá-la com a ponta de seu sexo, mas ela o impediu. Ela queria beijar e manusear o sexo dele. Ela se lançou sobre ele com tamanha avidez que George se viu com as nádegas dela perto de seu rosto e podia beijá-la e acariciá-la à vontade.
Neste momento, ele estava tomado pelo desejo de explorar e tocar cada recôndito do corpo dela. Ele apartou a abertura do sexo dela com seus dois dedos, e deleitou seus olhos com a pele brilhante, com o delicado mel a fluir, com os pelos se encrespando ao redor de seus dedos. Sua boca se tornou mais e mais ávida, como se houvesse se tornado um órgão sexual, capaz de satisfazê-la tanto que, se continuasse a acariciar a carne dela com sua língua, ele alcançaria um prazer totalmente desconhecido. Enquanto ele mordiscava sua carne com tal sensação deliciosa, sentiu novamente que ela tinha calafrios de prazer. Ele a afastou de seu sexo, temendo que ela pudesse vir a experimentar todo seu prazer meramente ao beijá-lo e que ele fosse impedido de se sentir dentro dela. Era como se eles dois houvessem se tornado vorazmente famintos pelo gosto da carne. E suas duas bocas se fundiam uma na outra, buscando as línguas inquietas.
O sangue dela agora fervia. A vagarosidade dele parecia ter causado isto, enfim. Os olhos dela brilhavam, sua boca não conseguia largar o corpo dele. Então ele finalmente a tomou, enquanto ela se oferecia, abrindo sua vulva com os adoráveis dedos, como se não aguentasse mais esperar. Mesmo então eles suspenderam o prazer deles, e ela o sentiu em silêncio, encerrando-o.
Então ela apontou para o espelho e disse, rindo:
— Olhe, parece até que nós não fazemos amor, mas sim que você apenas está sentado sobre seus joelhos, e você, safadinho, você esta com ele dentro de mim todo o tempo, e até tem calafrios. Ah, não posso mais suportar isto, fingir que não há nada dentro de mim. Está me consumindo. Mete agora, mete!
Então ela se jogou sobre ele para que ela pudesse rebolar sobre seu pênis ereto, obtendo desta dança erótica um prazer que a fazia gritar. E, ao mesmo tempo, um relâmpago de êxtase rompeu através do corpo de George.
Apesar da intensidade do sexo, quando ele partiu, ela não perguntou seu nome, não pediu que ele voltasse. Ela lhe deu um leve beijo nos lábios quase doloridos e o mandou embora. Por meses, a memória desta noite o assombrou e ele não conseguia repetir a experiência com nenhuma outra mulher.
Um dia, ele encontrou um amigo que havia acabado de ter recebido prodigamente por alguns artigos e que o convidou para um drinque. Ele contou a George a espetacular história duma cena que testemunhara. Ele estava gastando dinheiro abundantemente num bar quando um distinto homem se aproximou dele e sugeriu um agradável passatempo, observar uma magnífica cena amorosa, e como o amigo de George era um voyeur declarado, a sugestão foi recebida com imediata aceitação. Ele foi levado a uma casa misteriosa, para um apartamento suntuoso e, foi escondido numa sala escura, de onde ele pode ver uma ninfomaníaca fazer amor com um homem potente e particularmente bem dotado.
O coração de George parou.
— Descreva-a — ele disse.
O amigo descreveu a mulher com a qual George havia feito amor, até mesmo o vestido de cetim. Ele também descreveu a cama canopeada, os espelhos, tudo. O amigo de George havia pagado cem dólares pelo espetáculo, mas havia valido a pena e durou por horas.
Pobre George. Por meses, ele teve precauções com mulheres. Ele não conseguia acreditar em tal perfídia, em tal encenação. Ele se tornou obcecado com a ideia de que todas as mulheres que o convidavam para seus apartamentos escondiam algum espectador detrás duma cortina.
Conto extraído da obra "Delta de Vênus".
Biografia
Anaïs Nin nasceu na França. Seu pai foi o compositor Joaquin Nin, que cresceu na Espanha, mas que havia nascido em Cuba, e para onde retornou. Sua mãe, Rosa Culmell y Vigaraud, era de ascendência cubana, francesa e dinamarquesa. Anaïs Nin se mudou para os Estados Unidos em 1914, depois de seu pai ter abandonado a família. Nos EUA, ela frequentou escolas católicas, abandonou os estudos, trabalhou como modelo e dançarina e retornou à Europa em 1923.
Anaïs Nin estudou psicanálise com Otto Rank e clinicou por um tempo como analista leiga em Nova York. Ela foi paciente de Carl Jung por um período também.
Ao encontrar dificuldades para conseguir publicar seus contos eróticos, Anaïs Nin ajudou a fundar a Siana Editions na Franca, em 1935. Em 1939 e com a deflagração da Segunda Guerra Mundial, ela retornou a Nova York, onde ela se tornou uma celebridade entre a comunidade do Greenwich Village.
Uma figura literária obscura por quase toda sua vida, quando os diários dela - mantidos desde 1931 - começaram a ser publicados em 1966, Anaïs Nin surgiu diante do olhar público. Os dez volumes de "O Diário de Anaïs Nin" ainda são bastante populares. Eles são mais do que simples diários; cada volume possui um tema e foram escritos provavelmente com a intenção de serem publicados. Cartas que ela trocou com amigos íntimos, Henry Miller entre eles, também foram publicadas. A popularidade dos diários trouxe interesse para os romances publicados anteriomente. "Delta de Vênus" e "Pequenos Pássaros", originalmente escritos em 1940, foram publicados após sua morte (1977, 1979).
Anaïs Nin é conhecida também por seus amantes, que incluem Henry Miller, Edmund Wilson, Gore Vidal e Otto Rank. Ela foi casada com Hugh Guiler, de Nova York, que aceitava seus casos. Ela também teve um segundo casamento, bígamo, com Rupert Pole na Califórnia. Ela anulou o casamento por volta da época em que ela estava conquistando fama mundial. Ela estava morando com Pole, quando de sua morte, e ele viu a publicação da nova edição dos diários delas, sem cortes.
As ideias de Anaïs Nin sobre as naturezas "masculina" e "feminina" influenciaram a área do feminismo conhecida como "feminismo da diferença". No fim da vida, ela se disassociou das formas mais políticas do feminismo, acreditando que o auto-conhecimento através da redação de diários era fonte de liberação pessoal.
Fonte: http://womenshistory.about.com/od/anaisnin/a/anais_nin.htm
1 comentários:
Abri o post e fui lendo envolvida pela história. Somente no final vi que se tratava de um conto da Anaïs Nin, não reparei seu nome no início.
Surpreendeu-me a suave delicadeza do erotismo que o torna ainda mais excitante.
Entendi no final o porque, quando vi a autoria.
Adoro a forma dela escrever.
Muito belo post.
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