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sábado, 8 de novembro de 2008

O sabão milagroso

Volmar Camargo Junior

 


No tempo em não existia nem água encanada, instalou-se na cidade uma fábrica de sabão. Era uma coisa de outro mundo, porque desde sempre só se usava daquele sabão brabo feito em casa. Os ingredientes eram coisas comuns, como banha de porco, soda, cinzas, essas coisas. O sabão da fábrica, coisa fina, tinha um componente que até então ninguém havia sentido falta: perfume. Depois que as primeiras barras apareceram — tanto no Mercado Público quanto no Bolichão do Ataliba, as donas-de-casa abandonaram completamente o sabãozinho caseiro. Em pouco tempo, ninguém mais sabia a receita.

 

Bom, dizer ninguém é um exagero. Uma pessoa ainda sabia.

 

Dona Maricota era uma mestiça de gringa com bugre, gorducha, que a essa época já estava meio senil. Era do tipo de gente para quem o século XIX não tinha acabado, nem o século XX tinha começado, nem sabia nada dessa coisa de séculos. Pois Dona Maricota não se importava com o perfume do sabão da fábrica – e insistia em teimar com as comadres que sabão perfumado não servia para lavar roupa.

 

A fábrica estava tendo êxito, mandando carregamentos para os quatro cantos do Rio Grande, quando o proprietário da fábrica, Doutor Jorge Gusmão, Engenheiro Químico, (chamado às escondidas “Jorge Sabão”) tomou conhecimento que as vendas estavam diminuindo drasticamente na cidade-sede da fábrica. Percorrendo Pereirópolis ele mesmo, de vendinha em vendinha, e mesmo no “mercadão” do finado Malaquias, encontrou caixas empoeiradas do sabão perfumado, encalhadas nas prateleiras e nos depósitos. “Agora, só querem saber do sabão milagroso da Dona Maricota” diziam os comerciantes.

 

Doutor Jorge Gusmão, Engenheiro Químico, quis conhecer o produto da concorrência.

 

A primeira coisa que notou era que o sabão da Dona Maricota não tinha cheiro algum. A textura era muito parecida a de uma... pedra-sabão. Submeteu-o a todos os testes químicos possíveis para saber de que era feito – e para sua grata surpresa, não tinha nenhum dos componentes importados do seu. O problema foi quando submeteram o tal “sabão milagroso” ao teste definitivo: o tanque de roupa suja. Doutor Jorge Gusmão, Engenheiro Químico, não conseguia acreditar quando suas técnicas-lavadeiras terminaram com quase quinhentos quilos de roupa suja sem diminuir um milímetro. E, ainda mais estranho, ficava tudo impecavelmente limpo, sem nem precisar deixar quarando.

 

Formou-se o rebuliço. Doutor Jorge Gusmão investiu do próprio dinheiro para adquirir todas as barras do sabão milagroso da concorrente. Vendeu o carro alemão, os ternos italianos, o cavalo árabe e as botas de Uruguaiana. Comprou para Dona Maricota uma fazendinha na França, garantindo-lhe uma formidável aposentadoria que, em dinheiro de hoje, daria uns bons cinco mil por mês.

 

O sabão perfumado voltou a ser um sucesso. Doutor Jorge Gusmão, Engenheiro Químico, teve que inventar muitas variedades para poder manter a concorrente bem longe.

 

Dona Maricota, todavia, nem lembrava mais de Pereirópolis. A última notícia que se teve dela é que os vinicultores da Borgonha andavam arrancando os cabelos por causa de uma certa velhinha que aprendeu a fabricar champanha. Dizem que as garrafas que ela vendia, por mais que se bebesse, não esvaziavam nunca. 

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