Volmar Camargo Junior
No tempo em não existia nem água encanada, instalou-se na cidade uma fábrica de sabão. Era uma coisa de outro mundo, porque desde sempre só se usava daquele sabão brabo feito
Bom, dizer ninguém é um exagero. Uma pessoa ainda sabia.
Dona Maricota era uma mestiça de gringa com bugre, gorducha, que a essa época já estava meio senil. Era do tipo de gente para quem o século XIX não tinha acabado, nem o século XX tinha começado, nem sabia nada dessa coisa de séculos. Pois Dona Maricota não se importava com o perfume do sabão da fábrica – e insistia em teimar com as comadres que sabão perfumado não servia para lavar roupa.
A fábrica estava tendo êxito, mandando carregamentos para os quatro cantos do Rio Grande, quando o proprietário da fábrica, Doutor Jorge Gusmão, Engenheiro Químico, (chamado às escondidas “Jorge Sabão”) tomou conhecimento que as vendas estavam diminuindo drasticamente na cidade-sede da fábrica. Percorrendo Pereirópolis ele mesmo, de vendinha em vendinha, e mesmo no “mercadão” do finado Malaquias, encontrou caixas empoeiradas do sabão perfumado, encalhadas nas prateleiras e nos depósitos. “Agora, só querem saber do sabão milagroso da Dona Maricota” diziam os comerciantes.
Doutor Jorge Gusmão, Engenheiro Químico, quis conhecer o produto da concorrência.
A primeira coisa que notou era que o sabão da Dona Maricota não tinha cheiro algum. A textura era muito parecida a de uma... pedra-sabão. Submeteu-o a todos os testes químicos possíveis para saber de que era feito – e para sua grata surpresa, não tinha nenhum dos componentes importados do seu. O problema foi quando submeteram o tal “sabão milagroso” ao teste definitivo: o tanque de roupa suja. Doutor Jorge Gusmão, Engenheiro Químico, não conseguia acreditar quando suas técnicas-lavadeiras terminaram com quase quinhentos quilos de roupa suja sem diminuir um milímetro. E, ainda mais estranho, ficava tudo impecavelmente limpo, sem nem precisar deixar quarando.
Formou-se o rebuliço. Doutor Jorge Gusmão investiu do próprio dinheiro para adquirir todas as barras do sabão milagroso da concorrente. Vendeu o carro alemão, os ternos italianos, o cavalo árabe e as botas de Uruguaiana. Comprou para Dona Maricota uma fazendinha na França, garantindo-lhe uma formidável aposentadoria que, em dinheiro de hoje, daria uns bons cinco mil por mês.
O sabão perfumado voltou a ser um sucesso. Doutor Jorge Gusmão, Engenheiro Químico, teve que inventar muitas variedades para poder manter a concorrente bem longe.
Dona Maricota, todavia, nem lembrava mais de Pereirópolis. A última notícia que se teve dela é que os vinicultores da Borgonha andavam arrancando os cabelos por causa de uma certa velhinha que aprendeu a fabricar champanha. Dizem que as garrafas que ela vendia, por mais que se bebesse, não esvaziavam nunca.
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