Em 1999, a revista Der Spiegel publicou um artigo intitulado “Era Bach o melhor?”; conseqüência duma exumação feita no cemitério de Leipzig. Foi quando a seguinte história veio à tona.
Durante as comemorações do aniversário de sessenta anos de Johann Sebastian Bach, um concurso foi organizado para determinar quem era o melhor organista da Europa.
Na verdade, o intuito era apenas confirmar o que todos — concorrentes, jurados e até o próprio homenageado — já sabiam: Bach era o maior dos virtuosi.
Músicos de todos os países, de todas as cidades e paróquias se congregaram em Leipzig para o festival, com duração de três dias.
Os moradores decoraram as casas e as ruas, mais cheias de vida do que nunca, invadidas pela multidão de pessoas e idiomas, artistas e curiosos.
Cada um dos concorrentes poderia praticar por algumas horas no magnífico órgão da Igreja de São Nicolau e se preparar para o embate. No entanto, Bach não conseguiu conter a ansiedade e, durante os ensaios, se escondeu num canto da igreja para ouvir e constatar a perícia dos desafiantes.
Após todos terem deitado os dedos no teclado do órgão, um dos organizadores da celebração indagou Bach:
— E então? São bons músicos?
— Todos, sem exceção. Aqui estão os melhores do mundo.
O organizador limpou com um lenço o suor que lhe escorria pelas têmporas:
— E dará tudo certo? Imagino que nenhum deles se equipare a você.
— Eu não teria tanta certeza... — Bach gaguejou — Há um jovem com um talento extraordinário, muito mais hábil do que eu.
— Impossível! Sua inspiração é divina, Sr. Bach.
— Se minha inspiração é divina, então é a própria mão de Deus que toca através daquele rapaz. Se quisermos ser justos, o título de melhor organista do mundo deverá ser dado a ele.
Os organizadores descobriram que o jovem se chamava Wolfram Benjamin, organista em Hamburgo, na casa dos trinta anos, genial e arrogante. Nem mesmo a ausência do pé esquerdo — amputado por causa dum tumor — reduzia sua desenvoltura nas pedaleiras. Além de brilhante intérprete, era um compositor incomparável. A constatação de que Bach não mentia os levou ao desespero, o festival seria arruinado.
A data do aniversário chegou e, um a um, os competidores se apresentaram. Bach assistia a tudo em silêncio, sentado na primeira fila.
Mas em nenhum dos três dias Wolfram Benjamin tocou. Ele simplesmente não compareceu ao desafio.
A última apresentação foi de Johann Sebastian Bach.
O clamor se ergueu, de boca em boca, pelas ruas de Leipzig: Bach havia vencido.
Isto até 1994, quando foram necessárias reformas no cemitério da igreja. Numa cova sem identificação, encontraram a ossada dum homem, pé esquerdo amputado.
Pesquisadores estudaram os restos mortais, vasculharam documentos da congregação, manuscritos e concluíram: aquele era Wolfram Benjamin, assassinado com um golpe de objeto rombudo no crânio.
O escândalo se instaurou no mundo da música, vários críticos, musicólogos e especialistas se posicionaram em lados distintos da disputa, alguns defendiam a genialidade de Bach, outros, a interrompida carreira dum prodígio.
O governo de Hamburgo exigiu retratação por parte do de Leipzig, além da redação duma nota pública expondo os fatos e afirmando que o organista hamburguense teria morrido por causa dum único crime — ser melhor do que Bach.
Leipzig não cedeu, alegou desconhecimento do assunto e, segundo dizem, ocultou evidências, destruiu documentos históricos, tudo para apagar quaisquer vestígios da presença de Benjamin durante o aniversário de J. S. Bach.
O artigo de Der Spiegel, poucos anos depois, reacendeu o debate. Os defensores de Benjamin requisitaram ao Kremlin o envio das partituras e do caderno de notas do organista. Alegaram que, durante a ocupação soviética, os russos apreenderam tais documentos nas dependências da igreja, mas os diretores do Kremlin negaram possuir qualquer informação sobre isto.
E a contenda prossegue, com acusações, mentiras e evidências duvidosas.
Talvez, um dia, encontremos o busto Wolfram Benjamin nas galerias da História e a epígrafe: “o melhor organista do mundo”; ou talvez sua imagem mais uma vez se desvaneça, restando apenas a imorredoura glória de J. S. B.
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