As pessoas são atraídas para a Literatura por várias razões, desde a mais pura e descompromissada busca por divertimento até complexos anseios estéticos.
Para leitores de gêneros leves, como romances românticos ou de aventura, a motivação é quase evidente: pomo-nos em lugar do mocinho ou da mocinha, torcemos por eles, identificamo-nos com sua história, desejamos ser como eles.
No entanto, no gênero de Terror, caminhamos por um terreno arenoso. Certamente que a maioria dos leitores não gostaria de estar no lugar do protagonista — o qual muitas vezes é a vítima. Tampouco podemos esperar que o leitor se identifique com a causa do terror. O Terror, em essência, é o que nos repele. É nesta repulsa que podemos encontrar a atração do gênero.
O Terror trabalha com os medos essenciais da Humanidade. Uma das características fundamentais do ser humano primitivo, em oposição a demais antropóides, é o culto à morte. A compreensão da morte e a necessidade de algum tipo de ritual funerário é um marco emblemático.
Desde então, a morte permanece um enigma. A despeito de todos os dogmas religiosos, de crenças pessoais, de explicações biológicas, a morte permanece um dos grandes enigmas da existência. O que há para além dela? Mero fim, ou início duma outra vida?
Não temos uma explicação definitiva para esta questão. Exatamente por isto, somos atraídos por esta questão.
A religião abrange a morte pelo prisma da esperança. Em boa parte das religiões monoteístas (e em várias politeístas), a morte é um umbral para uma outra existência, na qual usufruiremos de prazeres ou danação de acordo com nossos atos durante a vida. O Terror, por outro lado, apresenta a morte como o mistério que é. Nem tudo em Terror precisa de explicação — fantasmas, zumbis, vampiros se manifestam, superam e transcendem a morte, desafiam a racionalidade e os dogmas religiosos.
Nem por isto a religião e o Terror são excludentes. Cada uma apresenta uma perspectiva sobre o assunto — a religião buscando certezas, enquanto o Terror explora os pontos-cegos, as incertezas.
Para Bataille, a morte é o grande tabu, ao lado do sexo. Na verdade, tanto o sexo quanto a morte se aproximam, pois ambas representam o fim da individualidade. No gozo orgástico, perdemos a consciência de nós mesmos, despersonalizamo-nos, na morte, perdemos nossa identidade enquanto sujeitos, deixamos de ser. Não é por acaso que em vários filmes de Terror, o assassino em série persegue e executa quem possui relações sexuais. Isto não é apenas um resquício da moral puritana, mas a íntima relação entre duas instâncias biológicas que se mesclam à dinâmica da vida e da organização social.
No Terror, buscamos a confrontação com aquilo que nos inquieta e nos repele: a morte violenta, sangue, vísceras, o desconhecido, as trevas e o sobrenatural.
E deste confronto obtemos o prazer do medo controlado. Divertimo-nos com o que tememos porque sabemos que aquilo ocorre ao outro, seja ao personagem duma narrativa literária ou cinematográfica, seja ao protagonista duma narrativa oral, comumente contada por alguém que não está inserido no enredo. Sentimos calafrios, temos pesadelos à noite, mas no íntimo nos contentamos por saber que aquilo não ocorreu conosco. O prazer do Terror decorre por causa do medo em potência.
No entanto, assim como se dá com o humor, o terrível se insere num contexto histórico e social. Os tabus duma civilização nem sempre correspondem aos tabus de outra. Numa sociedade onde o canibalismo é aceito, a cena dum ser humano devorando outro dificilmente causaria repulsa.
O gênero Terror exige muito do escritor para a obtenção dum efeito satisfatório. Desta dificuldade origina-se o amplo espectro de subgêneros do Terror, que exploram desde a escatologia mais grotesca — o trash — até os que se enveredam em sutilezas psicológicas.
Apesar de pouco explorado entre autores lusófonos, o Terror ilumina os preconceitos, os valores e as crenças da comunidade na qual se origina.
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