Abriu a porta com um sorriso cínico nos lábios. O cheiro de tempero perfumava o ambiente com aromas exóticos:- Oi Jenni, chegou na hora.
- Que delícia está preparando? Alguma comida especial?- Ele passou o braço nos ombros da moça e beijou de leve a bochecha rosada.
Era um jogo, ela adorava quando brincavam assim, precisava adivinhar o ingrediente: - Acho que tem alecrim e hortelã. Talvez uma pitadinha de zátar e raspas de gengibre. Acertei?
O rapaz fez ar de pouco caso e pegou um baseado na ponta da prateleira. Encarava a mulher enquanto acendia e aspirava a primeira tragada. Sabia o quanto incomodava:- Não me olhe deste jeito. Isto aqui é para relaxar. Senta aqui, vem ficar mais pertinho, não vou te morder. Vem amor, anda logo Jennifer.
Tensa, queria pegar a bolsa e voltar para o hotel. Mas não havia nada além do silêncio no quarto impessoal e frio. Sentia-se sozinha. O namorado não ficou satisfeito quando ela apareceu sem avisar. Sentiu saudades e decidiu passar um mês de férias no Brasil, queria muito conhecer o Nordeste.
Omar acariciava os cabelos da moça:- Quer fazer sexo, está com saudades? -Puxou a garota pelo casaco, tentou abrir o zíper do jeans. Apertava com força os seios, mordia o pescoço, respirando forte, excitado, a violência assustou Jennifer:- Pare com isso, Omar, está me machucando.
Ele não soltou o braço, apertou mais forte, torcendo e imobilizando:- Puta! Fofoqueira, pensa que não sei o que você fez? Minha mãe ligou e tenho até o final do mês para voltar para Londres. Eles cortaram minha mesada. Vadia. Porque veio atrás de mim?
A mulher tentava soltar-se, ele era muito mais forte. Não imaginou que a família de Omar contaria que ela havia alertado sobre as drogas. O namorado em poucos meses havia-se tornando um grande distribuidor e feito amizades com primos perigosos:- Eu te avisei que queria uma vida nova, que precisava de liberdade. Eu nem gosto mais de você. Tenho outras mulheres.
Ela precisava encontrar uma saída: - Tudo que fiz foi para o seu bem. Eu juro que nunca mais vou te procurar. Prometo - Sentiu a pressão no cotovelo e a dor insuportável. Gritou quando o osso foi deslocado: -Por tudo que é mais sagrado, não faça isto comigo...não me machuque mais...deixe eu ir embora
Um soco forte partiu os dentes da frente e fez com que perdesse o equilíbrio. Deitada no carpete, chutes cada vez mais violentos. Omar descarregava anos de raiva reprimida:- Eu não acredito nas suas promessas, você me traiu uma vez. Não confio em você. Vai correndo chamar a polícia e vou ser deportado.
- Não. Juro que não vou fazer isso, tomo o primeiro avião para Londres. Eu não agüento mais Omar, pare com isso.
Omar batia sem pena. Em nenhum momento hesitou. Ela merecia cada porrada. Era uma dedo-duro safada. Foram namoradinhos desde a infância. Sempre juntos em todas as ocasiões.
Ele, descendente de árabes, só era aceito porque vinha de uma família extremamente rica. Exibia a namorada como um troféu.
No fundo odiava a vida na Europa. Enquanto a lourinha era eleita princesinha da primavera, ele recebia olhares desconfiados.
Tinha vindo para o Brasil em busca de paz e distância daquela gente. Meses depois, Jennifer apareceu. Maldita.
Pegou o celular e ligou para os pais, segurando firme o aparelho, machucando o rosto da moça:- Vai dizer que você mentiu, estava com ciúmes e inventou tudo. Se não fizer o que estou mandando, vai ser muito pior - Ela tremia e tentava controlar o choro, ouviu a mãe de Omar atender:- Senhora Ibrahim, é Jennifer. Sinto muito, eu menti sobre o Omar e as drogas. Inventei tudo porque estava com ciúmes dos primos. Não senhora, eu sei que ele me ama de verdade, ele é bom para mim. Sim, ele me perdoou. Senhora, diga à minha mãe que eu a amo.
Omar arrancou o telefone e empurrou a namorada com força contra a parede: - Desculpe, ela está nervosa. Muito arrependida. Por isso a voz de choro. Claro que pode dar o recado à família de Jennifer. Lembre que vamos passar quinze dias no Nordeste. Está bem, converse com papai e ligue mais tarde. Conto com a senhora. Jennifer está mandando um beijo.
Inconsciente, parecia uma boneca de trapos, toda retorcida, o sangue empapando os cabelos. Omar suspendeu um dos braços. Flácido, ela havia perdido as forças. Não importava. Ouvir a mulher voz implorando perdão era irritante demais.
Correu para o quarto e cheirou mais uma carreira, a terceira do dia. Coca misturada, cheia de resíduos. Porcaria para passar adiante. Ele merecia o melhor. Safados, isto não ficaria assim.
A mãe havia acreditado em tudo, o problema era convencer o pai. Só de pensar em retornar sentia mais raiva da moça.
Bebeu um gole do uísque e respirou fundo. Precisava clarear a mente e encontrar uma saída. Como iria se livrar de Jennifer? Só de imaginar a cadeia, ficou apavorado. O cheiro de queimado lembrou que o assado estava perdido.
Até o prato especial havia sido estragado por culpa da intrometida. Pensou no tempo perdido preparando o carneiro, o jogo de facas novo, usado pela primeira vez. Facões afiados e serrilhas. Facas e cutelos de todos os tamanhos. Cozinhar era o hobby preferido.
Uma idéia começou a tomar forma. Era tudo carne, não importava de que animal fosse oriunda.
Voltou à cozinha, jogou o corpo na bancada de mármore. Percebeu que ela respirava suavemente. Um golpe certeiro atravessou o peito e calou o coração. Precisava esperar para que o sangue esfriasse, não suportava sujeira. Queria fazer os cortes perfeitos. Limpos.
Resolveu sair, encontrar os amigos, dançar e relaxar. Daria o tempo necessário para a segunda fase. No dia seguinte cortaria a namorada em pedaços. Separados em embrulhos, deixaria os pacotes em vários pontos da cidade.
Bateu a porta com força enquanto acendia outro baseado. O celular tocou, eram os pais com as boas novas. Jurou que havia largado as más companhias, prometeu que doravante Jennifer seria a única companhia:- Não se preocupem, estamos bem, foi tudo um grande engano. Não, ela acabou de sair, foi para casa, vamos ao cinema e depois jantar. Fizemos as pazes.
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terça-feira, 23 de setembro de 2008
O fio da maldade - Giselle Sato
por Giselle Sato
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