por Marcia Szajnbok
Em 2006, por conta dos 150 anos do nascimento de Sigmund Freud, várias instituições promoveram eventos para comemorar a data. Uma delas, a Oficina de Psicanálise Lacaniana, realizou um ciclo de debates que giravam em torno do tema “Psicanálise e Literatura”, do qual tive o privilégio de participar. O convite muito me alegrou, já que tenho interesse nos dois campos. A alegria, entretanto, cedeu logo a uma forte apreensão. Deveria falar sobre possíveis relações entre Freud e Pirandello, e o meu companheiro debatedor seria um professor da FFCLH-USP, especialista no autor. Socorro! pensei comigo. Meu conhecimento sobre Pirandello se resumia, então, à leitura de um ou dois contos e à vaga memória de uma montagem de “Seis Personagens a Procura de um Autor” da década de 70, por algum grupo amador... Tres meses depois, lá estava eu, na Casa das Rosas, em São Paulo, com um pouco mais de leituras e um texto preparado. Me perguntava que tipo de observações iria ouvir do tal professor, que supunha ser um senhor idoso, carrancudo e muito formal, que se dirigiria a mim e à platéia com um sotaque pedante e empolado.
Foi preciso um evento psicanalítico para que eu comprovasse, mais uma vez, a genial sacada de Freud: entre a realidade objetiva e a realidade psíquica, abre-se muitas vezes um abismo! O professor Maurício Santana Dias era um jovem, trajando calças jeans e mangas de camisa, muito simpático e informal que nos deu, a mim e ao público, uma aula magistral e apaixonada sobre a obra de Pirandello. Desse modo, aquele convite me serviu de acesso à obra de um autor que conhecia pouco, mas que, desde então, não parei de ler e reler.
Foi por esse caminho que cheguei às “40 Novelas de Luigi Pirandello” que a Companhia das Letras lançou há alguns meses, com textos traduzidos e organizados justamente por Maurício Santana Dias. Neste volume, encontra-se uma antologia de narrativas curtas, muitas delas publicadas esparsamente em jornais e revistas italianos, e organizadas por Pirandello a partir de 1920 sob o título de “Novelas para um Ano”. Elas constituem a matriz de tramas que reaparecem em romances e peças teatrais posteriores. Esta edição está organizada de tal modo, que é possível seguir os contos sucessivamente, segundo a ordem cronológica em que estão dispostos ou, no que constitui um aspecto muito interessante do livro, percorrer a gênese de um determinado texto teatral a partir de um núcleo de textos, ou de uma só narrativa.
Este volume nos oferece uma deliciosa síntese da obra de Pirandello. Para quem já é fã do autor, a oportunidade de ler uma tradução primorosa. Para os que o conhecem pouco, um convite para mergulhar neste desfile de personagens e situações que nos confrontam, a cada página, com sua acurada apreensão da vida e da natureza humana traduzida em farsa trágica.
40 Novelas de Luigi Pirandello
Imagem: Luigi Pirandello, pintado por seu filho Fausto Pirandello
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