A páscoa estava chegando. Para alguns, época de felicidade, festa, comer chocolate. Para outros, exatamente o contrário. E neste último caso, encontrava-se Dinho – garoto pobre, de bom coração... na medida do possível, alegre.
Apesar de já ter vivido nove páscoas, o menino nunca fora presenteado com um ovo de chocolate. Isso o deixava triste, porque desde pequeno via na televisão grandes ovos nas mãos de crianças sorrindo, coelhinhos pulando, aquela festança. Para ele, não havia esses privilégios. E agora, já com mais idade, entendia que quem não tinha dinheiro para comprar toda aquela alegria era seu pai, pois o trabalho de porteiro não era dos melhores. Contudo, o homem não se deixava abater e contornava a situação com a típica frase: “Dinho, o preço de um ovo é a desgraça de um povo... E chocolate faz mal!” – sempre que ouvia isso, o garoto pensava: “Mas, parece tão gostoso”.
Aconteceu que, nessa próxima páscoa que se aproximava, a típica frase mudou:
- Dinho, o pai vai ver se consegue te dar um ovo desta vez, hein! Mas, não se empolga, não. Se der, vai ser pequenininho...
- Êba! Obrigado, pai! – falou o menino, enquanto dava um pulinho como quem marca um golaço.
Os dias se seguiram com Dinho ansioso, numa expectativa enorme. Para dormir era difícil, pois ficava imaginando como seria seu ovo. Assim, quando finalmente chegou a páscoa, acordou mais tarde que de costume – era o resultado das noites mal dormidas. Ao lado de sua cama havia um bilhete: “Filho, o pai teve que ir trabalhar mais cedo hoje. Vê se dá uma arrumada na casa. E mais tarde a gente conversa sobre seu ovo”. Esses recados eram comuns. Inclusive, funcionavam como incentivo para o menino se desenvolver na leitura, coisa que seu pai fazia questão: “Somos pobres, mas temos que ser inteligentes” – se preocupava com o filho, que era sua única família.
Quando o garoto se preparou para levantar, viu algo que fez seus olhos brilharem. Estava ali no chão, logo à sua frente, o tão esperado ovo de páscoa. Via aquele embrulho vermelho e sorria. Sorria como quem tivesse encontrado ouro. Seu sonho se realizara.
Não se passou muito tempo, já estava com o embrulho aberto sobre seu colo e o ovo partido em duas metades. De dentro delas, escapou um papel dobrado – era outro bilhete. “O que meu pai pôs aqui?” – perguntou para si mesmo. Em seguida, começou a ler:
Atenção: NÃO COMA ESTE OVO! Repito: NÃO COMA ESTE OVO! Ele está envenenado! Contém toda a ambição e maldade dos homens. Se comê-lo, deixará de ser uma criança inocente e fará parte de um plano maligno onde poucos ganham e muitos perdem. Não se deixe dominar! Mais uma vez, repito: NÃO COMA ESTE OVO!
As palavras soaram estranhas, estava confuso. Sem saber o significado daquilo, começou a lhe invadir um certo medo. Pensou: “Acho que vou esperar o pai para perguntar”. E, enquanto refletia, tirava mecanicamente o papel alumínio do chocolate – era o desejo que sobrepujava o temor.
Levou uma das metades até o nariz e cheirou uma vez; depois outra, mais profundamente. “O cheiro é gostoso... Não tem veneno, não... É brincadeira do pai...” – disse, tentando se convencer. Em seguida, quebrou um pedaço e levou à boca. Saboreou o chocolate como quem nunca tivesse comido, juntando o prazer do paladar com o da posse. “Um ovo inteirinho para mim. E não está envenenado coisa nenhuma!” – pensava aos suspiros e mordidas, até que não sobrou mais nada.
Quando o pai de Dinho voltou do trabalho, notou que o rosto do filho estava diferente. Não sabia exatamente o que, mas algo mudara.
- Aconteceu alguma coisa, Dinho? Está tudo bem? – perguntou.
- Pai, acho que não sou mais uma criancinha para ser chamado de Dinho. Por que não me chama de Armando? – disse o menino, enfático.
- Mas, meu filho, eu sempre te chamei assim... Que história é esta?!
- Ah, pai... Eu não me sinto mais uma criança. E meu nome é Armando, qual o problema de me chamar assim?!
- Tudo bem, então, senhor Armando. E, sobre o ovo, queria me desculpar...
Achando que se tratava do fato do ovo não ser tão grande, o garoto se adiantou:
- Não se preocupe, pai...
- Mas, na próxima páscoa, vou te arranjar um ovo bem caprichado – completou o homem.
Tempo se passou e Dinho começou a ser Armando experimentando as várias amarguras da vida. Só quando entrou no mundo do trabalho, aos treze anos, é que foi voltar a comer um ovo de chocolate – dessa vez, comprando com seu próprio dinheiro. Seu pai continuou tentando e não conseguindo juntar recursos, nem para ovos, nem para outras coisas. O que ganhava era suficiente apenas para se manter com o filho e pagar prestações de antigos empréstimos.
A remuneração do garoto era para ajudar o pai. O pouco que sobrava, guardava num cofre secreto que tinha embaixo da cama. Pensava em montar um negócio – era jovem, mas possuía uma mente empreendedora. Com o tempo, conseguiu juntar algum dinheiro, logicamente, a custo de se afastar dos amigos, não ter namorada, deixar os estudos e não conseguir mais conversar com o pai direito (brigaram pelo abando da escola). A vida de Armando era só trabalho, mas, ainda assim, foi um longo caminho até conseguir o que queria.
Quando, finalmente, juntou uma boa quantia, abriu uma pequena casa de comércio. O trabalho era duro e, para auxiliá-lo, colocou o pai como seu empregado. Pagava o mesmo que o homem ganhava como porteiro. “Para ser justo, pai”, dizia. Contudo, não demorou muito e Armando, já um adulto obstinado, despediu o auxiliar: “Pai, o senhor sempre está muito doente... Melhor achar outro lugar para trabalhar”.
Anos passaram e os negócios de Armando se expandiram. Já possuía outras lojas e vários funcionários – sempre pagando um salário justo, como era o do antigo auxiliar. Mudou-se para o centro da cidade e, na própria casa, montou um escritório. Há muito não via o pai e as únicas pessoas com quem convivia eram empregados, clientes ou comerciantes. Sua preocupação era sempre o trabalho e a melhoria da empresa.
Certa noite, recebeu um telefonema. “Ele está muito mal... não consegue se cuidar sozinho... precisa de alguém por perto...” – era um vizinho de seu pai. Dias depois, Armando foi visitar sua antiga residência. Lá chegando, logo cortou os sentimentalismos: “Pai, sei que o senhor está mal, mas, preciso trabalhar. Vamos resolver isso logo”. Assim, tratou de encaminhar o velho ao asilo público mais próximo e, em pouco tempo, já estava de volta aos negócios.
Outros anos se passaram e Armando já era o principal empresário da cidade. Mensalmente, recebia de um funcionário do asilo (um acordo pago) relatórios informando a situação do pai. Nos últimos deles, enfatizava-se a vontade do velho em ver o filho. Diante da insistência, resolveu visitá-lo.
Já no local, o empresário admirou-se com o ser que viu – aparentava cansaço, porém, grande lucidez. Sentando-se ao seu lado, começou uma pálida conversa:
- Olá, pai! O senhor não parece estar muito mal.
- É, meu filho... Minha mente é de ferro, mas meu corpo...
- Que é isso?! Nem está tão velho...
Um silêncio constrangedor seguiu-se à fala. Depois de alguns segundos, foi quebrado pelo pai:
- A páscoa está chegando...
- É verdade – respondeu Armando, indiferente.
- Lembra-se que você sempre quis um ovo?
- Lembro... “O preço de um ovo é a desgraça de um povo” – deixou escapar um sorriso tímido – era o que você falava.
- É verdade... Como eu era mesquinho! – riu de si mesmo – E, até hoje, nunca consegui te dar um...
- Como não? E aquele com o bilhete misterioso? Que piada...
- Bilhete misterioso? Piada? Do que você está falando?
- Do único ovo que você meu deu! No chão do meu quarto, com embrulho vermelho, bilhete dentro...
- Você deve ter se enganado, filho. Eu nunca te dei ovo nenhum.
- Mas... Bom, deixa... Nem me lembro disso direito... Deve ter sido alguma bobeira de criança, imaginação...
- É... Talvez mais uma das brincadeiras do antigo Dinho...
- Você ainda lembra desse apelido, pai?! – olhou-o entortando o rosto – Não se esqueça de levar ele para o túmulo – falou consternado.
- Calma... Faz muitos anos que o Dinho já foi enterrado.
- Não precisa repetir esse nome de novo. Não gosto! – olhou o relógio – E eu tenho que voltar para resolver umas pendências do escritório. Tem algo importante para falar ainda?
- Tudo bem, então, senhor Armando. Acho que o que tinha para ser dito já foi. Bom trabalho, meu filho. E boa páscoa. Só tome cuidado, que chocolate faz mal...
- Não se preocupe, pai. E boa páscoa também.
Apesar de já ter vivido nove páscoas, o menino nunca fora presenteado com um ovo de chocolate. Isso o deixava triste, porque desde pequeno via na televisão grandes ovos nas mãos de crianças sorrindo, coelhinhos pulando, aquela festança. Para ele, não havia esses privilégios. E agora, já com mais idade, entendia que quem não tinha dinheiro para comprar toda aquela alegria era seu pai, pois o trabalho de porteiro não era dos melhores. Contudo, o homem não se deixava abater e contornava a situação com a típica frase: “Dinho, o preço de um ovo é a desgraça de um povo... E chocolate faz mal!” – sempre que ouvia isso, o garoto pensava: “Mas, parece tão gostoso”.
Aconteceu que, nessa próxima páscoa que se aproximava, a típica frase mudou:
- Dinho, o pai vai ver se consegue te dar um ovo desta vez, hein! Mas, não se empolga, não. Se der, vai ser pequenininho...
- Êba! Obrigado, pai! – falou o menino, enquanto dava um pulinho como quem marca um golaço.
Os dias se seguiram com Dinho ansioso, numa expectativa enorme. Para dormir era difícil, pois ficava imaginando como seria seu ovo. Assim, quando finalmente chegou a páscoa, acordou mais tarde que de costume – era o resultado das noites mal dormidas. Ao lado de sua cama havia um bilhete: “Filho, o pai teve que ir trabalhar mais cedo hoje. Vê se dá uma arrumada na casa. E mais tarde a gente conversa sobre seu ovo”. Esses recados eram comuns. Inclusive, funcionavam como incentivo para o menino se desenvolver na leitura, coisa que seu pai fazia questão: “Somos pobres, mas temos que ser inteligentes” – se preocupava com o filho, que era sua única família.
Quando o garoto se preparou para levantar, viu algo que fez seus olhos brilharem. Estava ali no chão, logo à sua frente, o tão esperado ovo de páscoa. Via aquele embrulho vermelho e sorria. Sorria como quem tivesse encontrado ouro. Seu sonho se realizara.
Não se passou muito tempo, já estava com o embrulho aberto sobre seu colo e o ovo partido em duas metades. De dentro delas, escapou um papel dobrado – era outro bilhete. “O que meu pai pôs aqui?” – perguntou para si mesmo. Em seguida, começou a ler:
Atenção: NÃO COMA ESTE OVO! Repito: NÃO COMA ESTE OVO! Ele está envenenado! Contém toda a ambição e maldade dos homens. Se comê-lo, deixará de ser uma criança inocente e fará parte de um plano maligno onde poucos ganham e muitos perdem. Não se deixe dominar! Mais uma vez, repito: NÃO COMA ESTE OVO!
As palavras soaram estranhas, estava confuso. Sem saber o significado daquilo, começou a lhe invadir um certo medo. Pensou: “Acho que vou esperar o pai para perguntar”. E, enquanto refletia, tirava mecanicamente o papel alumínio do chocolate – era o desejo que sobrepujava o temor.
Levou uma das metades até o nariz e cheirou uma vez; depois outra, mais profundamente. “O cheiro é gostoso... Não tem veneno, não... É brincadeira do pai...” – disse, tentando se convencer. Em seguida, quebrou um pedaço e levou à boca. Saboreou o chocolate como quem nunca tivesse comido, juntando o prazer do paladar com o da posse. “Um ovo inteirinho para mim. E não está envenenado coisa nenhuma!” – pensava aos suspiros e mordidas, até que não sobrou mais nada.
Quando o pai de Dinho voltou do trabalho, notou que o rosto do filho estava diferente. Não sabia exatamente o que, mas algo mudara.
- Aconteceu alguma coisa, Dinho? Está tudo bem? – perguntou.
- Pai, acho que não sou mais uma criancinha para ser chamado de Dinho. Por que não me chama de Armando? – disse o menino, enfático.
- Mas, meu filho, eu sempre te chamei assim... Que história é esta?!
- Ah, pai... Eu não me sinto mais uma criança. E meu nome é Armando, qual o problema de me chamar assim?!
- Tudo bem, então, senhor Armando. E, sobre o ovo, queria me desculpar...
Achando que se tratava do fato do ovo não ser tão grande, o garoto se adiantou:
- Não se preocupe, pai...
- Mas, na próxima páscoa, vou te arranjar um ovo bem caprichado – completou o homem.
Tempo se passou e Dinho começou a ser Armando experimentando as várias amarguras da vida. Só quando entrou no mundo do trabalho, aos treze anos, é que foi voltar a comer um ovo de chocolate – dessa vez, comprando com seu próprio dinheiro. Seu pai continuou tentando e não conseguindo juntar recursos, nem para ovos, nem para outras coisas. O que ganhava era suficiente apenas para se manter com o filho e pagar prestações de antigos empréstimos.
A remuneração do garoto era para ajudar o pai. O pouco que sobrava, guardava num cofre secreto que tinha embaixo da cama. Pensava em montar um negócio – era jovem, mas possuía uma mente empreendedora. Com o tempo, conseguiu juntar algum dinheiro, logicamente, a custo de se afastar dos amigos, não ter namorada, deixar os estudos e não conseguir mais conversar com o pai direito (brigaram pelo abando da escola). A vida de Armando era só trabalho, mas, ainda assim, foi um longo caminho até conseguir o que queria.
Quando, finalmente, juntou uma boa quantia, abriu uma pequena casa de comércio. O trabalho era duro e, para auxiliá-lo, colocou o pai como seu empregado. Pagava o mesmo que o homem ganhava como porteiro. “Para ser justo, pai”, dizia. Contudo, não demorou muito e Armando, já um adulto obstinado, despediu o auxiliar: “Pai, o senhor sempre está muito doente... Melhor achar outro lugar para trabalhar”.
Anos passaram e os negócios de Armando se expandiram. Já possuía outras lojas e vários funcionários – sempre pagando um salário justo, como era o do antigo auxiliar. Mudou-se para o centro da cidade e, na própria casa, montou um escritório. Há muito não via o pai e as únicas pessoas com quem convivia eram empregados, clientes ou comerciantes. Sua preocupação era sempre o trabalho e a melhoria da empresa.
Certa noite, recebeu um telefonema. “Ele está muito mal... não consegue se cuidar sozinho... precisa de alguém por perto...” – era um vizinho de seu pai. Dias depois, Armando foi visitar sua antiga residência. Lá chegando, logo cortou os sentimentalismos: “Pai, sei que o senhor está mal, mas, preciso trabalhar. Vamos resolver isso logo”. Assim, tratou de encaminhar o velho ao asilo público mais próximo e, em pouco tempo, já estava de volta aos negócios.
Outros anos se passaram e Armando já era o principal empresário da cidade. Mensalmente, recebia de um funcionário do asilo (um acordo pago) relatórios informando a situação do pai. Nos últimos deles, enfatizava-se a vontade do velho em ver o filho. Diante da insistência, resolveu visitá-lo.
Já no local, o empresário admirou-se com o ser que viu – aparentava cansaço, porém, grande lucidez. Sentando-se ao seu lado, começou uma pálida conversa:
- Olá, pai! O senhor não parece estar muito mal.
- É, meu filho... Minha mente é de ferro, mas meu corpo...
- Que é isso?! Nem está tão velho...
Um silêncio constrangedor seguiu-se à fala. Depois de alguns segundos, foi quebrado pelo pai:
- A páscoa está chegando...
- É verdade – respondeu Armando, indiferente.
- Lembra-se que você sempre quis um ovo?
- Lembro... “O preço de um ovo é a desgraça de um povo” – deixou escapar um sorriso tímido – era o que você falava.
- É verdade... Como eu era mesquinho! – riu de si mesmo – E, até hoje, nunca consegui te dar um...
- Como não? E aquele com o bilhete misterioso? Que piada...
- Bilhete misterioso? Piada? Do que você está falando?
- Do único ovo que você meu deu! No chão do meu quarto, com embrulho vermelho, bilhete dentro...
- Você deve ter se enganado, filho. Eu nunca te dei ovo nenhum.
- Mas... Bom, deixa... Nem me lembro disso direito... Deve ter sido alguma bobeira de criança, imaginação...
- É... Talvez mais uma das brincadeiras do antigo Dinho...
- Você ainda lembra desse apelido, pai?! – olhou-o entortando o rosto – Não se esqueça de levar ele para o túmulo – falou consternado.
- Calma... Faz muitos anos que o Dinho já foi enterrado.
- Não precisa repetir esse nome de novo. Não gosto! – olhou o relógio – E eu tenho que voltar para resolver umas pendências do escritório. Tem algo importante para falar ainda?
- Tudo bem, então, senhor Armando. Acho que o que tinha para ser dito já foi. Bom trabalho, meu filho. E boa páscoa. Só tome cuidado, que chocolate faz mal...
- Não se preocupe, pai. E boa páscoa também.
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