Guardo a lembrança do que foi bom. Isso me permite seguir, com um certo conforto. Procuro não pensar que fui negligente, pouco amiga ou empática. Mas, de vez em quando, isso me vem como um tufão, arrebentando toda a minha consciência, de modo que me sinto culpada, talvez por algo que não fiz – exatamente, pelo que deixei de fazer, pela inércia diante da vida, corrida, mundana. Outras vezes, me libero da culpa porque sou depressiva desde que me entendo como gente. Houve momentos em que não conseguia sequer amarrar os cadarços de minhas sandálias, minha filha que me ajudava. Fracassei, essa é a verdade, vergonhosamente. Poderia ter lutado mais por minha saúde, porque, como consequência, lutaria por minha irmã, para que ela estivesse bem. Falei com Lúcia na noite de 06 de setembro de 2024, e no dia seguinte, pela manhã, provavelmente às 7h, ela faleceu: um mal súbito. Ela estava prestes a se tornar professora titular pela UFC, e isso lhe animava muito. Foram anos de expectativas, de incertezas, que até chegou a pensar em não lecionar mais, com medo da alta concorrência e do gênio instável de seus pares titulares. Teve de pisar em ovos para galgar o caminho que gloriosamente conseguiu superar. Ela era, de fato, uma mulher incrível, e acima de tudo, amiga, polida e política nas suas relações profissionais. O seu prazer, na verdade, sempre foi estudar. Lembro-me, quando criança, que, por ela ser mais velha cinco anos, demandava a sua presença nas brincadeiras; ela era como se fosse a minha heroína, e era quase certo que Lúcia não pudesse me acompanhar, pois estava estudando. Era a primeira da sala e foi muitas vezes condecorada por isso. Não se casou nem teve filhos; ela dizia que, além de uma opção, teria sido por falta de tempo: não iria colocar ninguém no mundo para não ser inteira para essa pessoinha. Mas não deixou de os ter, na figura dos sobrinhos, minhas filhas, e de Ricardinho, o meu irmão mais novo, que teve uma renca de cinco lindos filhos. Ou seja, ela estava cercada de amor; todos amavam a “Tita” – o apelido vinha de tia, quando as crianças não sabiam falar direito, diziam “Tita”. Lúcia partiu exatamente cinco anos após a morte de mamãe, que faleceu em 05 de setembro de 2019. Foi tão duro superar a morte de mamãe. Mas, talvez, por ser algo que se espera com a velhice, ficamos em paz, com o tempo. Já de minha irmã, eu não consigo aceitar. Proferi todas as blasfêmias contra Deus, que nos abandonou. Minha única confidente e amiga se foi, subtraída à força de nossas vidas. É difícil aceitar. Minhas filhas que me ajudam. Peço, todos os dias, desculpas à minha irmã por ser fraca, apaixonada e sensível demais. Sei que ela merece descansar em paz, mas não sobram motivos para lembrar que sua presença sempre foi um alento doce em minha vida. Por favor, me ajude a superar, minha irmã querida, é o que suplico à noite antes de dormir.

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