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sábado, 20 de novembro de 2021

DESNUDEZ

 





Dois adolescentes chegam do colégio. Um amigo na casa do outro.

- Porra, caiu minha lente de contato. Me ajuda aqui.

- Ajudo nada. Olha lá. A vizinha do prédio em frente chegou.

- Pede para ela esperar.

- Tá maluco? Se eu gritar ela descobre e se esconde.

- Peraí, não encontro a porra da lente. Não tô vendo nada.


A vizinha acaba de abrir a porta do apartamento. 

Enquanto um amigo se desespera passando a mão pelo 

carpete do quarto, o outro pega o binóculo no armário.

- Entrou na sala!

- Sacanagem, não vou ver nada! 

- Colocou a bolsa no sofá, tirou as sandália e jogou longe.

- Como ela tá vestida?

- Um vestido justo, estampado, colado no corpo.


O amigo sem lente se aproxima da janela. O dono do 

binóculo reage feroz.

- Sai pra lá. Já que não enxerga nada, não me atrapalha.

- Então, me diz.

- Foi pra outra janela. No quarto. Descalça, soltou os cabelos.

- E? 

- Abriu o armário, se olhou no espelho.

- Diz, diz...

- Tirou o vestido de baixo pra cima.

- Sem sutiã?

- Com sutiã. 

- Porra, essa lente... cadê essa lente?

- Fica quieto, senão ela me vê.


O amigo do binóculo fecha a cortina. Só deixa uma fresta para 

não ser descoberto. O que perdeu a lente perde também qualquer 

possibilidade de assistir ao espetáculo. 

- E aí, fala, fala...

- Acho que ligou o som do celular. Botou o fone de ouvido. 

Tá dançando de frente pro espelho.

- Conta, conta...

- Tirou o sutiã. Tá rebolando devagarinho e rodopiando o sutiã.

- Ela tá provocando. Será que ela viu você?

- De binóculo, na tocaia? É ruim, hein? 

- E aí, e aí...

- Cara, é agora!

- O quê? O quê!

- Que rosto mais lindo! Narizinho arrebitado! 

Que boca maravilhosa, que sorriso foda!  

- Porra, cadê minha lente?

- Que lábios!  

- Que foi? Tirou a calcinha? 

- Que calcinha, cara? Muito melhor. Tirou a máscara. 


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José Guilherme Vereza
Carioca, botafoguense, pai de 4 filhos. Redator, publicitário, professor, roteirista, escritor, diretor de criação. Mais de mil comercias para TV e cinema. Uma peça de teatro: “Uma carta de adeus”. Um conto premiado: “Relações Postais”. Um livro publicado “30 segundos – Contos Expressos”. Mais de 3 anos na Samizdat. Sempre à espreita da vida, consigo modesta e pretensiosamente transformar em ficção tudo que vejo. Ou acho que vejo. Ou que gostaria de ver. Ou que imagino que vejo. Ou que nem vejo. Passou pelos meus radares, conto, distorço, maldigo, faço e aconteço. Palavras são para isso. Para se fingir viver de tudo e de verdade.
todo dia 20


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