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segunda-feira, 26 de abril de 2021

Protagonista


Agora se fiam nela?
Na história que ela conta,
no verso que ela jorra?

Respeitam sua letra de sangue
assombro açúcar?
Publicam seus saltos filosóficos,
rimas e piruetas? 

Desde quando diz e desdiz
o mundo próprio e abre outros?
Desde quando tece assim,
se amostrando tanto?

Narra com o cérebro
a cor da pele
o útero
a mística
o sexo
soda cáustica
à luz da lua? 

Deixou de ser bruxa?
Ainda é musa? Santa? Eremita?

Faz só quando o homem deixa?
Enquanto as crianças dormem? 

Cria pra quê, essa criatura,
se há milênios ecoa uma mesma ordem grave,
falando por faustos falos?
Não basta ler, ouvir, obedecer?

Quer falar por si
a verdade
a lacuna
o estrume?
Quer alcançar o infinito? 

Cabe-lhe ainda o instinto? 
E a dor do parto? 

Pois este é o seu status
(pode ser atualizado):
ela se sabe mulher
e está farta de tribunal.

Escreve só porque quer.
Como quando enquanto onde
tudo o que bem quiser.

É no fluxo
de seus desejos
que a vida mora
sem ponto
nem final


Maria Amélia Elói


Imagem: "Um canto do meu ateliê" (1884), de Abigail de Andrade

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