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quinta-feira, 20 de junho de 2019

AMIGOS INVISÍVEIS

Marcelinho tinha dois amigos invisíveis.
Conversava com eles pela casa, reconhecia
os meninos atravessando a rua e acenava para o nada.
Brincava com eles na escola, não dormia sem antes
dar “boa noite” ao dois. Coisa de filho único.
Um se chamava Batuta. O outro se chamava Cagão.
- Meu filho, esse amigo é muito feio. Só o Batuta 
pode entrar aqui em casa. 
Mãe, pai, avôs, avós, padrinho, madrinha, tias solteironas,
todos zelosos pela educação de Marcelinho, estavam cada
vez mais preocupados.
- Esse menino está vendo coisas.
- Chama Dona Odete, aquela vizinha rezadeira.
- Vai ver que está chamando irmãozinho.
- Cala a boca, papai.
Mas preferiram convocar para uma reunião o Dr. Valdetaro,
o médico da família.
- Marcelinho está com um comportamento horrível, Doutor. 
Diz que tem dois amiguinhos que vivem entre nós. 
Um dos amiguinhos nem podemos declinar o nome.
Chegaram a uma conclusão.
Adotaram um cachorro. E antes que Marcelinho abrisse a boca,
deram o nome de Batuta ao animal.
Semana seguinte, Batuta teve uma diarreia canina.
Saltitante, sujou os sofás, as poltronas, as almofadas
das cadeiras, as colchas, as barras das cortinas,
o persa da sala de jantar. De tanto pular e abanar o rabo,
respingou o que pode nas paredes. Deixou um rastro no corredor.
Salpicou de marrom o retrato pintado a óleo da falecida bisavó
Evangelina, matriarca da família.
Marcelinho tentou consolar a mãe, que soluçava:
- Eu sabia, mamãe. Ele não era o Batuta.

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José Guilherme Vereza
Carioca, botafoguense, pai de 4 filhos. Redator, publicitário, professor, roteirista, escritor, diretor de criação. Mais de mil comercias para TV e cinema. Uma peça de teatro: “Uma carta de adeus”. Um conto premiado: “Relações Postais”. Um livro publicado “30 segundos – Contos Expressos”. Mais de 3 anos na Samizdat. Sempre à espreita da vida, consigo modesta e pretensiosamente transformar em ficção tudo que vejo. Ou acho que vejo. Ou que gostaria de ver. Ou que imagino que vejo. Ou que nem vejo. Passou pelos meus radares, conto, distorço, maldigo, faço e aconteço. Palavras são para isso. Para se fingir viver de tudo e de verdade.
todo dia 20


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