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domingo, 16 de setembro de 2018

Em nome


Foi pelo sangue de Cristo. Pelo sangue de Cristo que o sangue dela escorreu. Eles disseram. Em nome do Senhor Jesus! Eles gritaram. Antes de entrar. E ela achou bonito. E respondeu Aruê! Mas eles não ouviram. Eles não queriam ouvir. Mugindo em rebanho de fúria. E falavam numa língua estranha que não vinha do Espírito. Sobre demônios e abominações. Mas Legião eram eles. E repetiam e repetiam e repetiam. Está amarrado em nome de Jesus! A cada altar quebrado. A cada estátua estilhaçada. A cada flor pisada. A cada soco e pontapé que deram na menina mais linda do terreiro. A filha mais querida de Ogum. Mas foi em nome de Jesus. Cada rasgão no seu vestido branco novo. O vestido que a madrinha fez pra ela. Branco como o ojá arrancado da sua cabeça. Em nome de Jesus. As contas arrebentadas da guia azul e branca de Ogum explodindo no chão do terreiro. As pulseiras rapinadas por garras de harpias. Em nome de Jesus. Em nome de Jesus, a cabeça do babalorixá rachada contra a parede. Vermelhos. A parede. A cabeça. O vestido. E os gritos pingando. Encharcados de Jesus. Submissão. Dominação. 
Foi assim que eles chegaram. Porrada e benção. Belzebus procurando por si mesmos em estátuas e flores e altares. Arrastando pelos cabelos fartos a menina do vestido branco-encarnado. Pela rua. Pelas calçadas de cuspes. Pela Via Dolorosa dos olhares estáticos.
A menina mais amada de Ogum. Sangue e vergonha. Sacrifício cruento. Amarrada em nome de Jesus. Do Jesus que quebra e arrebenta. Imagem e semelhança dos homens. 







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Cinthia Kriemler
Formada em Comunicação Social/Relações Públicas pela Universidade de Brasília. Especialista em Estratégias de Comunicação, Mobilização e Marketing Social. Começou a escrever em 2007 (para o público), na oficina Desafio dos Escritores, de Marco Antunes. Autora do livro de contos “Para enfim me deitar na minha alma”, projeto aprovado pelo Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal — FAC, e do livro de crônicas “Do todo que me cerca”. Participa de duas coletâneas de poesia e de uma de contos. Membro do Sindicato dos Escritores do Distrito Federal e da Rede de Escritoras Brasileiras — REBRA. Carioca. Mora em Brasília há mais de 40 anos. Uma filha e dois cachorros. Todos muito amados.
todo dia 16


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