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domingo, 16 de abril de 2017

Sete Segundos - Conto de Cristiano Silva Rato


0:00:01 – Reticências
      
          Prometemos nada. Nós. Extintos. Sanidades suicidas de lógicas pragmáticas. O velho blábláblá de sempre. Memórias. Sim, suas memórias, me vinham sempre à cabeça. Entende o que perfura o sentido? Os anos e anos de acúmulo do signo, estantes mofadas pelas goteiras das noites. Sempre. Sempre foram elas, e a madrugada queimando nos bancos sujos das praças. Meu nome. É vazio. Não existo. Sou um signo extinto de sentidos. Pontos se acumulam. Os braços sobem. Kamikazes, sem direção, de encontro ao corpo. A vida se acumula.


0:00:02 – Infância?

       Gritávamos. Ninguém nos ouvia. Subíamos em ônibus, nossa diversão preferida, em suas traseiras galopávamos no êxtase, assim como o cavalo no coito. As baforadas não tinham muito sentido. As horas olhando o relento, remoendo a correria e cuspindo seus restos. Não entendem. Ouço os passos de sandálias apressadas. Poeira cravada no rosto. A lápide urbana está esburacada. O vento acerta ferozmente meu rosto. Corta de tão gelado!


0:00:03 – Sobre a existência simulada…

        Nem tudo é dor. Há, sim, um estado de suspensão. Onde nada predomina, nem o pensamento atrapalha a racionalidade. Nem a racionalidade existe. E tudo é pueril. Mas sempre há sons e apelos nos jornais que atrapalham a humanidade de fluir pelos poros. Ficamos sujeitos a sermos atores. A existência. Estado cômodo de alucinação. As palavras estão cada vez mais vazias. Somente o acaso sobrevive à onda de ordens, buscando sentido.


0:00:04– Passeio ao shopping

         Hoje o sol seguiu-me baixo. Toda esquina que quebrava papelões decoravam o chão. Esguio. O caminhar continua apressado, enquanto os gritos do coração ecoam no corpo. Os motores, acelerados, decoram o ar. Todo nosso esforço transforma-se em ondas. Inertes. Circulando sem fim, problematizando teorias mal decoradas. Análises de mictoriais. Danças mal trajadas lambrisam as novas tendências da noite. Empurrei-o escada-rolante-abaixo. Dei-lhe em seguida uma voadora na cara. Tinham que ver. Logo. Lambuzei todas as mãos com áquea vermelha… Puta merda!


0:00:05 – Baseado.

        Dixavei o camarão. Minha mente mente, se agita e grita com a passagem do vento. Minhas mãos tremeram. Instantes. Ficou fritando. Vinha sempre à tona. Pensamentos. A que classe pertenço? Não sei significar mais pertencimento. Deparo. Dúvidas. Cortei a seda. Enrolei o baseado.


0:00:06 – Ode!
     
    As pessoas andam sem rumo, sumindo no horizonte. A sombra descansa pesadamente sob o castigo do meio-dia. As ruas à noite parecem rios turvo-secos pelas gradativas erosões, provocadas por irregularidades no ciclo lógico da existência do organismo. Terra. Meus pés não conhecem mais o gosto. Sentidos estão sendo privados, vagarosamente. Existe um complô de ideias. Injetam-me sutilmente imagens, obscenas, audíveis, como uma melodia suave, hipnótica. Esta é sua cultura, você não vê? Precisa de mais provas? A todo o momento: construa sua imagem. Você é seu Deus. Temos a nossa. Lavagem. Lavagem de ideias. Fodam-se as imagens. Somos ódio. Mudo se arrastando pelo canto sujo de um bueiro qualquer. A cidade me moldou à sua sombra, tegues manchando sua assepsia. O ar séptico; é impossível culpar os culpados.  
       Lancei o detona enquanto um vigiava uma ponta e outro, a outra. O coração acelerava e, com os pulsos explodindo a todo o momento, era difícil controlar a tala. Precisava às vezes de aditivos. É molesto suportar horas em frente à TV vendo palhaços com nomes engraçados e sobrenomes nobres. Quando a luz brilhou, no fim da rua, já sabíamos o que fazer. Abaixei lentamente a mão e segui os olhos na direção oposta. Descartei o bico fino. Puta que pariu, era o único que tinha. Dispensamos a tala também. O coração acelerado, junto ao barulho do motor silencioso do controle social. Meus braços contraíram-se no corpo. As pancadas às vezes não deixam cicatrizes, mas hematomas.



0:00:07 – Binômio

       O sentido. As malas viraram cuecas emporcalhadas por caralhos mal lavados e carregam agora as modas cada vez mais frequentes de jogatinas e espetáculos modernos. Você sabe do que estou falando. Vagava no escuro. O medo fuzilara a parede onde estava. O pensamento ia e vinha, farol alto na neblina da madrugada. Os instantes são transformados em pontos de interrogação. As vulvas do peito surram a pele, corpos alucinados se envolvendo em uivos. O silêncio.





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Rafael F. Carvalho
Autor do livro A Estante Deslocada, é paulistano, nascido em 27 de Fevereiro de 1978. Foi publicado em antologias de novos escritores e em jornais universitários, e é formado em Letras pela Universidade de São Paulo.


todo dia 17


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