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segunda-feira, 20 de março de 2017

CRAVINHOS

- Duzinho, deita de bruços. Tira a camisa.
- Ah, não Bia...
- Cravinhos, Du. Vamos logo. Hora de tirar cravinhos
- Tô exausto, amor. Tive um dia desgraçado.
-  Conversa. Vamos lá. Quero cuidar de você.
- Sua unha dói...
- Tirar cravinho é amor. Amor não dói.
- Devagar, Bia...
- Duzinho... não tô achando cravinho...
- Claro, você tirou todos...
- Toda semana eu tiro. Nascem de novo.
- Bia, hoje não...
- Duzinho... cadê os cravinhos, Duzinho??? Eduardo!!!! Você tem uma amante!!!
- Que diabo é isso, Bia?
- Uma amante. Ela anda tirando seus cravinhos.
- Tá doida? Só quem tem esse fetiche é você.
- Ah, a outra não tem fetiche!?
- Que outra? Que fetiche? Tá doida?
- Eduardo! Você tem uma amante!
- Que amante? Não tenho idade nem saco nem para sexo casual!
- Ah, admite sexo casual!!! Eduardo! Você tem uma amante.
- Amante não é sexo casual.
- Então é o quê? Traição do mesmo jeito.
- Sei lá! Que saco! Não existe amante, nem sexo casual. Você sabe. Sou romântico.
- Então é amante mesmo. Eduardo, você tem uma amante!
- Que amante, Beatriz?
- O Peixoto tem uma amante. E você é unha e carne com ele.
- Que é isso, Bia?! Nunca mais te conto nada.
- Então não é o Peixoto. Você disfarçou bem. Eduardo, você é quem tem uma amante!
- É o Peixoto, sim. Eu sei a trabalheira que dá, coitado.
- Coitado? O cara trai a Marina e ainda é coitado?
- Beatriz, o problema é deles. Já disse! Não tenho amante.
- Então é sexo casual. Você anda por aí praticando o moderninho sexo casual, sem 
compromisso, sem cravinho, vapt vupt. É traição.
- Chega, Beatriz! E se fosse sexo casual? Não estou aqui, dedicado a você e às 
crianças 24 horas por dia?
- Ah, peguei: admite sexo casual?!!!
- Não admito nada, não tem amante, não tem sexo casual nenhum. Quer saber, tenho 
preguiça de tirar a roupa e colocar a mesma uma hora depois, apressado, voltando 
para o escritório. Além do mais, sexo só com você. Sou resolvido. Te amo.
- Papinho mais dissimulado. Diz que não tem amante, mas nada contra uma puladinha de cerca.
- Beatriz! Tá doida? Ou quer me enlouquecer?!

Eduardo pula da cama danado da vida. Beatriz permanece sobre o colchão. Pernas cruzadas e pensativa, conversando  baixinho consigo mesma.

- Sexo casual, sexo casual. Não tem problema, então.

Enquanto ouve o barulho do chuveiro, Beatriz pega o celular e procura o telefone do 
massagista tântrico. Aquele que a Marina disse que era espetacular.






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José Guilherme Vereza
Carioca, botafoguense, pai de 4 filhos. Redator, publicitário, professor, roteirista, escritor, diretor de criação. Mais de mil comercias para TV e cinema. Uma peça de teatro: “Uma carta de adeus”. Um conto premiado: “Relações Postais”. Um livro publicado “30 segundos – Contos Expressos”. Mais de 3 anos na Samizdat. Sempre à espreita da vida, consigo modesta e pretensiosamente transformar em ficção tudo que vejo. Ou acho que vejo. Ou que gostaria de ver. Ou que imagino que vejo. Ou que nem vejo. Passou pelos meus radares, conto, distorço, maldigo, faço e aconteço. Palavras são para isso. Para se fingir viver de tudo e de verdade.
todo dia 20