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quinta-feira, 18 de agosto de 2016

SEM

"Le Château Noir" (1904)
Paul Cézanne


Sem fronteiras, sigo gestos e devoro teu perfil, dividindo-o ao meio numa divisão escancarada do meu ser que te beija e se volta para tecidos e telhas e rezadeiras, água-benta que cai neste salão e põe todo mundo a dançar.

Sem fronteiras, vou pouco a pouco de um gesto a outro e decifro tua cara, teu palmo e teu passo. Vou pra lua e volto pro espelho no mato, acocorado e acovardado perante o escuro, o sossego e a mata fechada. O mapa da viagem no atlas, o desenhar a régua, sem compasso.

Percorro as fotos com as mãos. Matéria viva, minha, elas vão pro varal ou pro mural de cortiça do quarto. Comigo, no fusca vermelho, a estrada de terra batida rumo ao Norte – ou a algum país da América Central.

Os países nunca vistos, vou sentindo-os terra a terra. As gentes de cara na janela, o palhaço tirando a maquiagem, a menina. O sarau, a noite, o piano tocando e as luzes na construção colonial. A casa tem um pátio foi pintada de salmão. Olhei tudo e vi. É aqui, é assim, ao lado do mar.

Sem fronteiras, sigo sem saber o que é o bem e o mal. O que se faz e pra que ou como serve, pra onde vou se não consigo nem levar o dia a dia. Não pago as contas nem o aluguel, cotidiano que desaba no colo, chumbo que exige resposta. E as fronteiras, sonhos inventados pra assustar. 

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