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terça-feira, 26 de abril de 2016

Miçanga

Sempre arrastei a asa e o coração pra metalinguagem. O código em movimento centrípeto — voltado às vísceras da própria linguagem, preocupado mais consigo mesmo que com o referente — é o tipo de egoísmo que me encanta.

Aliciam-me fácil, fácil: romances cujos personagens são escritores, poemas que mergulham no nó górdio (ou nos “nós mágrios”) da poesia, Vinicius cantando que “pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza”, a tensão das cores que jorram dos autorretratos de Van Gogh, programas de TV que se fazem autorreferentes, atores que reclamam do roteiro da peça enquanto estão em cena, filmes que dialogam com o fazer cinematográfico... Tenho uma queda inclusive por dicionários e gramáticas, metalinguísticos por excelência. O que nem sempre dá pra suportar é self de fotógrafo na cobertura jornalística, né?

Pois bem. E sou apaixonada, arriada os quatro roliços pneus pela crônica — essa prima espevitada do conto, essa chegada íntima da metalinguagem, essa potra sem cabresto da literatura. A selvagem aceita e praticamente roga uma embromação. Está liberada para serenidades na estação de terremotos e também para drogas pesadas em eras de abstinência.

“Espelho, espelho meu, existe escrito mais metalinguístico que eu? Posso vir a me tornar anacrônica? Continuo atada e subordinada ao hoje, ou me rebelo e voo à eternidade? Como sobreviver neste mundo, sendo ainda eu mesma? Você ainda gosta de mim, leitor? Você ainda me quer, cronista? Em que posso melhorar para o nosso relacionamento ficar mais gostoso?” — indaga a nossa heroína, construindo-se dia a dia num encantador universo dialógico.

Drummond, Clarice, Rubem Braga, João do Rio, Veríssimo, Martha Medeiros, Roberto Klotz... Em maior ou em menor grau, todo cronista faz metalinguagem. O deadline do jornal praticamente obriga o escritor a levar à tona a idiossincrasia do próprio texto, que precisa nascer a qualquer custo até o soar do alarme. Crônica e cronista deitam-se sem cerimônia no divã, na cama, para, juntos, tecerem nova bugiganga.

À crônica é permitido falar pras paredes sem ser considerada louca. Nela até as abobrinhas se justificam. O exercício do texto em torno de si mesmo já vale a pena. É um gênero desprendido, sempre disposto à discussão. A crônica topa qualquer DR e não se irrita à toa. Sente-se livre dentro da própria linguagem e se alimenta dela. Enfim, a crônica é uma fofa. Miçanga pura.

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1 comentários:

Ser mencionado ao Lado de Drummond, Clarice, Rubem Braga, João do Rio, Veríssimo e Martha Medeiros em vez de provocar metalinguagem provoca linguagem metida. Eu tô que tô. Obrigado, Maria Amélia.

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